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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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domingo, 16 de março de 2008

A fé na encruzilhada

Tolerante, "O Espírito do Ateísmo", do filósofo André Comte-Sponville, rebate a religião ao invocar o pensamento iluminista


EDUARDO RODRIGUES DA CRUZ
ESPECIAL PARA A FOLHA DE SÃO Paulo, Cadermo +mais!, em 16/03/008.


O novo livro de André Comte-Sponville, "O Espírito do Ateísmo", tem como subtítulo "Introdução a uma Espiritualidade sem Deus" e é de fato uma introdução: curto, sem notas de rodapé nem raciocínios tortuosos. É também autobiográfico em estilo: o autor fala a partir de suas próprias experiências e as compara com as tradições filosófica ocidental e oriental.

O autor, como se sabe, faz parte de uma geração de filósofos franceses "pós-68", que, sem ser pós-moderna, transcende o marxismo e o existencialismo de seus mestres. Esses filósofos sentem a necessidade de se colocar a questão de Deus e da religião nos dias de hoje. Eles podem divergir em muitos pontos, mas se consideram proponentes de um humanismo no espírito das luzes e defensores do laicismo.

A presente obra, como nos sugere o título, é uma defesa da dignidade do ateísmo. Ao contrário do biólogo Richard Dawkins e outros "brights" de língua inglesa, entretanto, não faz disso uma cruzada anti-religiosa. É dentro do espírito de tolerância que elabora sua defesa.

Também diferentemente desse segundo grupo, não constrói seu apreço pelo ateísmo em nome da ciência moderna, mas, sim, de valores iluministas: tolerância, liberdade, laicidade.

Seu livro se divide em três partes: o primeiro capítulo, intitulado "Pode-se Viver sem Religião?", mostra, assim como muitos de seus contemporâneos, que é possível uma vida plenamente humana e feliz sem professar uma religião ou pertencer a uma igreja. Ao contrário da fé, propõe comunhão (seguindo Durkheim), fidelidade e amor.

O segundo capítulo é mais filosófico e se pauta pela pergunta "Deus existe?". Revisita as tradicionais "provas" da existência de Deus e as refuta seguindo seis argumentos modernos típicos. Mas, novamente, o central é considerar Deus como entrave a um autêntico humanismo.

O terceiro capítulo, por fim, expõe sua proposta de uma vida espiritual -"Que Espiritualidade para os Ateus?". Fala aqui de suas experiências e personalidade místicas, reiterando que Deus e a religião barram a realização e a fruição de tais experiências.

Se os dois primeiros capítulos seguem padrões mais ou menos conhecidos, nos quais o autor evita polemizar com os teístas, o terceiro é bastante "sui generis" para o espírito moderno.


"Ateu cristão"
Michel Onfray qualifica Comte-Sponville como "ateu cristão" (em "Tratado de Ateologia", ed. Martins Fontes) e, com isso, indica uma fraqueza da posição deste, mas nosso autor vê isso como favorável a seu argumento.

Não só ele se coloca em continuidade com a tradição cristã, respeitando-a (por exemplo, ao entender o melhor da religião como "fidelidade" e "respeito ao passado") como também a evoca em defesa de sua espiritualidade. Suas fontes são cristãs e não-cristãs: Lao-tsé e Agostinho, Pascal, Montaigne e Espinosa, Wittgenstein, Krishnamurti e Prajnanpad.

Desses autores, destaca o viés místico e, para melhor caracterizar sua mística, teólogos como De Lubac e Brunner são citados. Esta é estoicista, como ele reitera ao longo do texto. Afirma que sua metafísica (por exemplo, o real como perfeito) e sua postura (por exemplo, serenidade e aceitação) não levam à inação política, mas o argumento não me parece muito convincente.

Consciência crítica
O autor parece ter sido afetado por uma disposição muito comum na modernidade tardia: uma volta à espiritualidade, mas recusando o Deus cristão e sua igreja.

Busca fontes orientais, mas as traduz em termos de Ocidente, rejeita a metafísica, mas fala com desenvoltura do "absoluto", da "verdade" e de outros universais.

Mas isso pode ser uma vantagem para o leitor que não dispensa uma consciência crítica. É um livro que vale a pena ser lido, não só por apresentar o pensamento de um influente filósofo contemporâneo como por seu estilo agradável, acessível e eminentemente pessoal. Não pude compará-lo com o original francês, mas a tradução não parece apresentar problemas.


EDUARDO RODRIGUES DA CRUZ é professor no departamento de teologia e no programa de pós-graduação em ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica (SP).

O ESPÍRITO DO ATEÍSMO
Autor:
André Comte-Sponville
Tradução: Eduardo Brandão
Editora: WMF Martins Fontes (tel. 0/xx/11/ 3241-3677)
Quanto: R$ 32,50 (194 págs.)

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