Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.
Zenit (04/09/2009): “Religions & Jerusalem”, site dedicado às três religiões monoteístas: JERUSALÉM, sexta-feira, 4 de setembro de 2009 (ZENIT.org).- Por ocasião da visita papal à Terra Santa, dois jornalistas francófonos –Catherine Dupeyron e Jean-Marie Allafort– que vivem em Israel lançaram um site de informações, “Religions & Jerusalem”, consagrado às três religiões monoteístas na Terra Santa. O objetivo do site é, segundo indicam seus promotores, “falar das três religiões monoteístas em sua realidade cotidiana, sua diversidade e sua complexidade com o fim de lutar contra a ignorância e o obscurantismo, fonte de racismo, de antissemitismo, de islamofobia ou de cristianofobia”. >>> Leia mais, clique aqui.
O Globo, Caderno Prosa e Verso, pág.2, em 14/03/2009.
'As religiões monoteístas são a raiz do mal'
Poeta sul-africano critica condição feminina nos países árabes e diz que em nome da tolerância 'aceitamos o inaceitável'
ENTREVISTA Breyten Breytenbach
Nos anos 60, o escritor, poeta, dramaturgo e pintor Breyten Breytenbach lançou um movimento clandestino de resistência ao apartheid — Okhela — que lhe custou anos de prisão.
Escapou por pouco da pena de morte. Na prisão, escreveu livros autobiográficos como “The True Confessions of an Albino Terrorist” (1983). Muitas de suas poesias são escritas em africânder, língua derivada do holandês e falada sobretudo na África do Sul e na Namíbia.
Hoje, aos 70 anos, Breytenbach — que divide seu tempo entre África do Sul, Nova York e Paris — vê seu país com um olhar crítico: em várias entrevistas ele repete que a revolução que a África do Sul viveu com o fim do apartheid parou e é uma obra inacabada. Seu último livro, “L’Empreinte des pas sur la terre”, é um olhar irônico de seu próprio papel na resistência ao apartheid. Em entrevista ao GLOBO, em Dubai, um lugar povoado por mulheres com véus, ele se mostra um critico implacável da condição feminina nos países árabes.
O GLOBO: Viu-se no festival duas formas bem distintas de fazer poesia. O senhor acha que houve um diálogo entre os poetas daqui (Golfo Pérsico) e vocês?
BREYTEN BREYTENBACH: Não. Ainda não. Eu lamento. É urgente conseguirmos isso. Discutimos entre nós que era preciso deixarmos nossos quartos e ir escutar os outros.
O mais útil de um festival de poesia é o encontro entre as pessoas. É aí (no encontro) que a verdadeira questão se levanta: o que você faz, como você vive, o que é ser poeta no Brasil comparado com um poeta em Abu Dabi (um dos emirados dos Emirados Árabes Unidos)?
Como fica a questão da religião? Houve problemas num festival de literatura aqui por causa disso.
BREYTENBACH: Eu sou intolerante. Por mais que eu compreenda as razões pelas quais as pessoas são religiosas, para mim as religiões do deserto, as que chamamos de monoteístas, são a raiz do mal. Que seja cristianismo, judaísmo ou islamismo. A partir do momento em que temos um deus introduzimos forçosamente a intolerância, forçosamente uma norma: é assim e não pode ser diferente. Se é preciso ter um Deus, que se vá mais na direção dos índios. Pelo menos cada um tem um Deus para si.
A religião é um problema para muitos poetas daqui?
BREYTENBACH: Não é a religião que me choca. Por que não resistir amplamente à noção do que é a mulher aqui? Quando vejo todos estes senhores com suas túnicas de um mesmo branco, como são magníficos entre eles: machos, cavalos, romantismo e tudo mais.
E vejo as mulheres todas de negro com seus véus, do outro lado.
Há algo que não bate, não é? Não é Deus que me incomoda aqui: é a atitude em relação à mulher. Não é uma questão de religião. Mesmo em outras sociedades não regidas por Deus vê-se o mesmo problema.
Estamos tão desesperados com o mundo de hoje que dizemos na África que o futuro vai passar pelas mãos da mulher.
O senhor acredita?
BREYTENBACH: Acredito, sinceramente. Não é certo que vamos estar salvos quando as mulheres assumirem seu verdadeiro lugar. Mas algo vai mudar.
Houve algumas exceções, como Margaret Thatcher (exprimeiraministra britânica).
Mas ela não era mulher: era um homem disfarçado de mulher.
Em nome da tolerância e da diversidade, aceitamos o inaceitável. E é preciso que comecemos, pouco a pouco, a esclarecer isso.
Como?
BREYTENBACH: Me lembro que tive grandes discussões na Holanda sobre isso. Os holandeses são orgulhosos de serem tolerantes e aceitarem os outros. E lá há muita gente de origem muçulmana e outras.
Falei com uma mulher e perguntei: é mais importante para a senhora defender o direito conquistado, como humanista, de igualdade para as mulheres, ou de respeitar a cultura dos outros, que vai colocar a mulher por trás de um véu e separada por uma cortina numa sala de aula? Disse ainda: como pode aceitar que algo de que não gostaria nunca para você aconteça no seu país, em nome da tolerância, religião e costume dos outros? O modernismo e o humanismo não são uma exclusividade ocidental. Ao contrário. Dizer isso é uma falta de conhecimento histórico terrível.
E a África do Sul?
BREYTENBACH: Acabo de publicar um artigo intitulado “O sorriso de Nelson Mandela: notas sobre uma revolução perdida”. É a minha verdade.
Os longos anos de luta pela liberdade na África do Sul foram uma viagem magnífica, porque os movimentos de libertação eram veículos de africanização. Acreditávamos, sinceramente, que estávamos criando uma nova identidade complexa: o homos sul-africano.
A África do Sul sempre foi construída desde o início. E neste caminho Nelson Mandela foi um pai. Ele é um enorme humanista. Dizia que eu tinha a sorte de ter sido enviado à prisão porque pude compreender o que é ser um negro na África do Sul (do apartheid).
Mas hoje estamos talvez regredidos em relação há dez anos. Eu compreendo (o que acontece) menos hoje do que há dez anos. O budismo me ensinou a possibilidade de viver o momento atual.
Livro. Bruce Feiler viu uma torre cair. Estava à janela do seu apartamento no 16.º andar de Manhathan. Foi a 11 de Setembro de 2001. Quis entender as raízes do ódio inter-religioso, viajou e chegou a uma figura unificadora. 'Abraão, o Pai das Três Religiões' chega agora a Portugal. O DN foi ouvir representantes religiosos
"É possível que Abraão nunca tivesse sequer existido, que seja uma figura mítica, mas é uma figura modelar. Se fosse do nosso tempo teria passaporte iraquiano, tal como a Adão ou Eva e Bush provavelmente não pensou nisso quando declarou guerra ao Islão." As palavras são do padre católico Anselmo Borges e são uma reacção ao modo como "a religião tem sido aproveitado para justificar decisões políticas", esquecendo que têm uma origem comum: Abraão, o fundador do monoteísmo. "A religião devia ser uma coisa óptima mas ao corromper-se dá o péssimo. Os grandes conflitos não surgem por motivos religiosos. São consequência de estratégias políticas, económicas e o religioso aparece como uma legitimação estratégica. Isso é blasfemo, é contradizer a essência do religioso de que Abraão, com a sua entrega, é uma metáfora. A religião tem andado tão mal tratada e podia ser o grande motor de expansão humana..."
As palavras de Anselmo Borges são uma resposta à questão essencial levantada pelo livro de Bruce Feiler e que não é outra senão a de tentar perceber se em Abraão não poderá estar a solução para a os conflitos religiosos que dividem as civilizações.
Tudo começou na manhã de 11 de Setembro. O jornalista norte-americano Bruce Feiler recebeu uma chamada telefónica do irmão e correu à janela do seu apartamento num 16º andar de um prédio em Manhathan e assistiu ao desfazer em cinzas de uma das torres gémeas. "Creio que o 11 de Setembro será visto como uma data decisiva na história das religiões", declarou Feiler numa entrevista após a publicação deste Abraão, O Pai das Três Religiões, obra que originou forte discussão nos Estados Unidos e chega a Portugal com a chancela da Ministério dos Livros.
O livro nasce da tentativa do autor responder às questões que o mundo judaico-cristão, e os americanos em particular, então se colocaram: Qual a razão para tanto ódio? Poderiam as religiões estar a chegar ao fim perante aquele choque civilizacional que pôs em confronto o mundo islâmico com o judaico-cristão? Seria o princípio do fim? Em todas as conversas de rua, debates televisivos, palestras que se seguiram ao choque, Feiler encontrou um nome que se repetia. Abraão, fundador das três religiões monoteístas: Judaísmo, Cristianismo, Islamismo. "Ele é o pai - em muitos casos o pai biológico - de 12 milhões de judeus, dois biliões de cristãos e um bilião de muçulmanos em todo o mundo. E agora, é virtualmente um desconhecido". Feiler quis conhecer esse homem, rumou ao Médio Oriente, e, como ele mesmo disse, tentou responder à questão. "Pode Abraão salvar o mundo?"
A pergunta foi feita a representantes em Portugal das três religiões monoteístas ou abraâmicas, como também são designadas. A saber: o rabino Eliezer di Martino, o padre Anselmo Borges e o Sheikh David Munir. Fundador comum, Abraão e os diversos modos como a sua figura é interpretada, divide ou ainda une as três religiões? "Une", resposta unânime dada ao DN . "Se nós, as três religiões, quebrarmos o preconceito, haverá maior união", declara o representante dos muçulmanos em Portugal. E o preconceito tem a ver mais uma vez com essa figura fundadora, no caso, com a sua descendência. Ele foi pai de dois filhos: Isaac, que nasceu da sua mulher legítima, e Ismael, fruto de uma relação que teve com uma escrava. Foram os profetas que se lhe seguiram, primeiros de muitos até chegar a Jesus. Maomé, o grande profeta do Islão, a seguir a Abraão, foi o único a descender de Ismael.
Seria o início da divisão? "Não deveria ser. Ou já não deve ser, como refere o Sheikh Munir. "No século XXI já não há desculpas para o preconceito." Para este líder espiritual, "tudo depende do modo como cada um faz a leitura da própria religião". Referindo-se ao modo como em todas crenças a "fé tem sido manipulada", Munir justifica desta forma a existência de bombistas suicidas que, como o fizeram tantas outras figuras na história da Humanidade, subvertem a mensagem deixada por Abraão e que não é mais do que o respeito pelo outro e pela vida. "É preciso entender a situação precária em que muitos desses suicidas vivem, conhecer o seu perfil e o modo como são usados por quem quer apenas "criar o terror".
"Quando se aceita o Islão como código de vida, significa aceitar o outro", acrescenta. E se há religião em que Abraão está bem vivo é no Islão, garante este homem que recorre ao Alcorão para traçar o perfil do primeiro de todos os profetas de um Deus único. "Abraão é o vosso pai." Ele é o submisso o que, traduzido à letra, quer dizer nada mais do que muslim (muçulmano, em inglês).
"Não vemos as religiões alheias como erro que precisa de emenda nem sofremos a pressão dos outros povos na procura ao verdadeiro Deus. Não particamos o proselitismo, a conversão, como faz, por exemplo, o Cristianismo", declara, por sua vez, o rabino di Martino, representante espiritual máximo em Portugal do Judaísmo, a mais antiga das três religiões de um só Deus. É ele quem diz: "A divisão religiosa e os conflitos que ela gera não têm que ver com a teologia mas com a aplicação prática dos valores morais. A diferença está nas sociedades que estas três religiões construíram. O Islamismo, por exemplo, não vê a existência do Estado separado da religião e isso explica muita coisa."
E Abraão une? "A figura de Abraão pode aproximar se houver consciência de que foi ele que nos levou ao monoteísmo e que as três religiões deviam pôr de lado as diferenças práticas da teologia na sociedade. Os valores éticos e morais são comum a todas. Eles estão em Abraão."