Livro. Bruce Feiler viu uma torre cair. Estava à janela do seu apartamento no 16.º andar de Manhathan. Foi a 11 de Setembro de 2001. Quis entender as raízes do ódio inter-religioso, viajou e chegou a uma figura unificadora. 'Abraão, o Pai das Três Religiões' chega agora a Portugal. O DN foi ouvir representantes religiosos
As palavras de Anselmo Borges são uma resposta à questão essencial levantada pelo livro de Bruce Feiler e que não é outra senão a de tentar perceber se em Abraão não poderá estar a solução para a os conflitos religiosos que dividem as civilizações.
Tudo começou na manhã de 11 de Setembro. O jornalista norte-americano Bruce Feiler recebeu uma chamada telefónica do irmão e correu à janela do seu apartamento num 16º andar de um prédio em Manhathan e assistiu ao desfazer em cinzas de uma das torres gémeas. "Creio que o 11 de Setembro será visto como uma data decisiva na história das religiões", declarou Feiler numa entrevista após a publicação deste Abraão, O Pai das Três Religiões, obra que originou forte discussão nos Estados Unidos e chega a Portugal com a chancela da Ministério dos Livros.
O livro nasce da tentativa do autor responder às questões que o mundo judaico-cristão, e os americanos em particular, então se colocaram: Qual a razão para tanto ódio? Poderiam as religiões estar a chegar ao fim perante aquele choque civilizacional que pôs em confronto o mundo islâmico com o judaico-cristão? Seria o princípio do fim? Em todas as conversas de rua, debates televisivos, palestras que se seguiram ao choque, Feiler encontrou um nome que se repetia. Abraão, fundador das três religiões monoteístas: Judaísmo, Cristianismo, Islamismo. "Ele é o pai - em muitos casos o pai biológico - de 12 milhões de judeus, dois biliões de cristãos e um bilião de muçulmanos em todo o mundo. E agora, é virtualmente um desconhecido". Feiler quis conhecer esse homem, rumou ao Médio Oriente, e, como ele mesmo disse, tentou responder à questão. "Pode Abraão salvar o mundo?"
A pergunta foi feita a representantes em Portugal das três religiões monoteístas ou abraâmicas, como também são designadas. A saber: o rabino Eliezer di Martino, o padre Anselmo Borges e o Sheikh David Munir. Fundador comum, Abraão e os diversos modos como a sua figura é interpretada, divide ou ainda une as três religiões? "Une", resposta unânime dada ao DN . "Se nós, as três religiões, quebrarmos o preconceito, haverá maior união", declara o representante dos muçulmanos
Seria o início da divisão? "Não deveria ser. Ou já não deve ser, como refere o Sheikh Munir. "No século XXI já não há desculpas para o preconceito." Para este líder espiritual, "tudo depende do modo como cada um faz a leitura da própria religião". Referindo-se ao modo como em todas crenças a "fé tem sido manipulada", Munir justifica desta forma a existência de bombistas suicidas que, como o fizeram tantas outras figuras na história da Humanidade, subvertem a mensagem deixada por Abraão e que não é mais do que o respeito pelo outro e pela vida. "É preciso entender a situação precária em que muitos desses suicidas vivem, conhecer o seu perfil e o modo como são usados por quem quer apenas "criar o terror".
"Quando se aceita o Islão como código de vida, significa aceitar o outro", acrescenta. E se há religião
"Não vemos as religiões alheias como erro que precisa de emenda nem sofremos a pressão dos outros povos na procura ao verdadeiro Deus. Não particamos o proselitismo, a conversão, como faz, por exemplo, o Cristianismo", declara, por sua vez, o rabino di Martino, representante espiritual máximo em Portugal do Judaísmo, a mais antiga das três religiões de um só Deus. É ele quem diz: "A divisão religiosa e os conflitos que ela gera não têm que ver com a teologia mas com a aplicação prática dos valores morais. A diferença está nas sociedades que estas três religiões construíram. O Islamismo, por exemplo, não vê a existência do Estado separado da religião e isso explica muita coisa."
E Abraão une? "A figura de Abraão pode aproximar se houver consciência de que foi ele que nos levou ao monoteísmo e que as três religiões deviam pôr de lado as diferenças práticas da teologia na sociedade. Os valores éticos e morais são comum a todas. Eles estão em Abraão."
Diário de Notícias (Portugal), em 23/03/2008.
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