As autoridades holandesas vão retirar do seu arsenal penal um artigo que sancionava a blasfêmia. Contudo, este será substituído por um dispositivo que condena a discriminação, os "insultos graves" e as declarações "inutilmente ofensivas" dirigidas a indivíduos, relativas "à sua raça, à sua orientação sexual e à sua religião". Em última instância, a reforma conduz a prever um provável aumento das restrições da liberdade de expressão, num país que já vivenciou diversos episódios tumultuados neste campo, no decorrer dos últimos anos.
Em 2004, o cineasta Theo Van Gogh foi assassinado em Amsterdã por um militante islâmico radical, por ter realizado o filme "Submission" (2004). Ele havia sido taxado de blasfemador pelo seu assassino. Ayaan Hirsi Ali, uma ex-deputada de origem somali, que foi co-roteirista do filme e que desde então vive exilada em Washington, havia sido alvo da mesma acusação. Em 2006, o caso das caricaturas dinamarquesas de Maomé teve uma repercussão particular na Holanda, onde os observadores temeram que ele desencadeasse outros atos de violência.
Censura
Há alguns meses, foi a difusão do filme anti-Islã "Fitna", do deputado populista Geert Wilders que focalizou as atenções. O governo havia mencionado então a idéia de proibir este panfleto. Na esteira deste caso, um caricaturista da imprensa havia sido preso, uma vez que alguns dos seus desenhos haviam sido considerados como "ofensivos" para com os muçulmanos. Era a primeira vez desde 1945 que uma medida de censura desta gravidade era tomada.
Movidas pela preocupação de apaziguar as relações entre os holandeses de origem e a importante comunidade muçulmana, as autoridades haviam acenado em diversas oportunidades com a idéia de restaurar na lei o delito de blasfêmia. Entretanto, o projeto havia se revelado politicamente complexo demais. Isso porque o governo de centro-esquerda, composto por um partido cristão majoritário - o CDA, liderado pelo primeiro-ministro Jan Peter Balkenende -, por protestantes rigoristas, e ainda pelo partido trabalhista PVDA, estava dividido.
Um complicado compromisso, elaborado por Ernst Hirsch Ballin, o ministro democrata-cristão da justiça, foi então negociado. Ele acabou resultando no abandono de um artigo de lei adotado em 1932, e que na origem se destinava supostamente a proteger os cristãos contra uma campanha anti-religiosa lançada pelos setores comunistas. Este dispositivo havia sido abandonado em 1968, em decorrência de um processo cujo alvo era um escritor que havia alardeado a sua atração sexual por um deus que ele comparava com um jumento.
Em contrapartida, Ernst Hirsch Ballin propôs ampliar daqui para frente o alcance da noção de discriminação, de maneira a proteger melhor as crenças religiosas. Simultaneamente, ele assegurou que os humoristas e os jornalistas não deveriam "estar com medo". "Com a exceção de Deus, ninguém tampouco poderá insultar daqui para frente Alá ou Karl Marx", ironiza um dirigente do partido ecologista GroenLinks. "Não há razão alguma que justifique que os crentes devam ser mais bem protegidos do que os não-crentes", considera, por sua vez, um porta-voz do Socialistische partij (partido da esquerda radical). A reforma tem sido igualmente uma causa de preocupação para numerosos juristas.
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