O Globo, O Mundo, página 49, em 07/09/2008.
Onda de violência castiga cristãos na Índia
Hindus radicais perseguem convertidos ao cristianismo. Muitos mudaram de religião para fugir do sistema de castas
Florência Costa Correspondente
NOVA DÉLHI. Rajani Majhi, jovem de 20 anos que tomava conta de um orfanato administrado pela Igreja Católica num miserável vilarejo do estado de Orissa — um dos mais pobres da Índia — foi queimada viva por centenas de hindus enfurecidos, em 25 de agosto. A moça tomava conta de 20 crianças dalits (os intocáveis, como são chamados os indianos de castas baixas).
Onda de violência castiga cristãos na Índia
Hindus radicais perseguem convertidos ao cristianismo. Muitos mudaram de religião para fugir do sistema de castas
Florência Costa Correspondente
NOVA DÉLHI. Rajani Majhi, jovem de 20 anos que tomava conta de um orfanato administrado pela Igreja Católica num miserável vilarejo do estado de Orissa — um dos mais pobres da Índia — foi queimada viva por centenas de hindus enfurecidos, em 25 de agosto. A moça tomava conta de 20 crianças dalits (os intocáveis, como são chamados os indianos de castas baixas).
Renegadas desde o nascimento, as crianças são filhas de pais leprosos, que morreram abandonados por falta de tratamento.
Antes de ser morta, Rajani conseguiu salvar os órfãos, mostrando um atalho para a floresta mais próxima. Padre Eddy, de 62 anos, que administrava o orfanato, escapou com vida porque se escondeu após ser atacado pela multidão. Alem de Rajani, outras 15 pessoas foram queimadas vivas por hindus radicais, numa onda de violência contra cristãos que começou no dia 24 de agosto. Na véspera, o líder hindu Lakshmanananda Saraswati, de 84 anos, fora assassinado por 20 homens no distrito de Kandhamal, em Orissa, o que desencadeou os ataques em todo o estado.
Igrejas e conventos atacados por radicais Orissa tornou-se um caldeirão de violência religiosa. A polícia diz que a guerrilha maoísta — que atua na região — cometeu o assassinato. Mas grupos radicais hindus culpam os cristãos pela morte de Lakshmanananda, que promovia uma campanha contra a conversão ao catolicismo de indianos de casta baixa, que buscam fugir do preconceito e da opressão que sofrem dos hindus de castas altas.
— Ele era um santo muito amado porque tinha a habilidade de evitar que as pessoas fossem sugadas por outras religiões.
Os cristãos tinham problemas com ele porque tudo o que querem é a conversão de hindus ao catolicismo — disse Gouri Rath, do grupo hindu radical Vishwa Hindu Parishad.
Centenas de igrejas, orfanatos, escolas, conventos e casas de cristãos foram incendiados.
Cerca de 18 mil cristãos, inclusive freiras e padres, esconderam-se em florestas ou abrigaram-se em campos de refugiados organizados às pressas. Mais de 200 vilarejos em todo o estado foram atingidos pela violência.
Nos últimos dias, o medo fez com que centenas de católicos se reconvertam ao hinduísmo.
— Não queremos voltar para o convento porque temos medo de sermos queimadas vivas. Por isso continuamos refugiadas no meio do mato — disse Irma Ramya, que está escondida com 11 freiras e estudantes cristãs.
Numa rara declaração do Vaticano aos católicos da Índia, o Papa Bento XVI condenou a violência e expressou sua “proximidade espiritual e solidariedade” para com os cristãos. O Papa também apelou às autoridades indianas para que trabalhassem o mais rapidamente possível para “restaurar a coexistência pacífica e harmonia”.
Um dos principais assessores do Vaticano, o cardeal Jean-Lous Tauran disse em entrevista a um diário italiano que vai intensificar seus contatos com líderes hindus para evitar mais violência.
O cardeal, que chefia o Conselho para o Diálogo Inter-religioso do Vaticano, qualificou os ataques de “pecado contra Deus e a Humanidade”. O arcebispo de Bombaim, o cardeal Oswald Gracias, pediu ao governo indiano que envie as Forças Armadas para Orissa para conter a violência e permitir que os católicos voltem a seus vilarejos com segurança.
Quatro dias depois do início dos ataques, a Conferência dos Bispos Católicos da Índia decretou greve em todas as instituições de ensino dirigidas pela Igreja. Um total de 25 mil instituições, segunda maior rede de ensino da Índia, só ultrapassada pela governamental.
A Igreja Católica opera em várias frentes para aumentar seu rebanho na Índia, onde 80% da população segue o hinduísmo. A segunda religião mais numerosa é o islamismo (cerca de 15% da população). Em terceiro vêm os cristãos, com 2,3% (24 milhões de pessoas), sendo que 70% deles são católicos.
Opressão continua mesmo no catolicismo A maioria dos cristãos na Índia é de casta baixa. Mas mesmo rejeitando o hinduísmo eles não conseguiram fugir da opressão das castas altas. O preconceito de castas migrou para o catolicismo também. Assim, há os católicos bramins (casta mais alta do hinduísmo), católicos dalits, e assim por diante. E uns não se casam com os outros.
— Nós, cristãos dalits, esperamos que a partir de agora o Papa olhe mais detalhadamente para a Igreja Católica indiana — disse o padre William Premdas Chaudhary.
Em junho, a Igreja lançou uma versão da Bíblia indianizada. O livro tem 27 imagens com referências ao cotidiano dos hindus e a seus personagens históricos, como o líder pacifista Mahatma Gandhi. Uma das ilustrações mostra Maria vestida com um típico sári, o pano de seis metros que as indianas enrolam no corpo em forma de vestido. José é representado com um turbante e veste a roupa típica dos camponeses indianos: o dhoti, um pano branco amarrado na cintura, que ficou conhecido por ter sido a roupa que Mahatma Gandhi adotou para simbolizar sua proximidade com os pobres.
Segundo Paul Thelakat, portavoz da Igreja no estado de Kerala — um dos principais centros do catolicismo na Índia — o texto da Bíblia permanece o mesmo.
Trechos das escrituras sagradas vedas e upanishads, do hinduísmo, foram modificados e “usados para interpretar os ensinamentos cristãos”.
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