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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Tudo muda na Índia, menos a forma como são tratados os pobres


Aqui, no Taj Mahal Palace and Tower, o decano dos hotéis da cidade, o que você pensa a respeito da nova Índia pode depender de sua situação - você pode ser a pessoa que tem o sabonete sendo esguichado em suas mãos, ou a pessoa que está esguichando o sabonete.

Em todos os toaletes masculinos do Taj há um ajudante. Assim que você se aproxima da pia, ele o cumprimenta. Antes que você abra a torneira, ele a abre para você. Antes que você passe o sabão, ele pressiona o dispenser. Antes que você alcance a toalha, ele lhe estende uma. Ao sair, ele o cumprimenta de novo e murmura: "Certo Senhor. Sim Senhor. Obrigado, Senhor".

Ao sair, você sentirá a atmosfera exalando a nova riqueza, pelos automóveis. Dentro dormem os motoristas, muitos deles caindo no sono por trabalhar em turnos de 20 horas, acordando às 6h00 para pegar o trem, levar seus patrões para o trabalho e do trabalho, em seguida para os seus jantares, depois para os drinques, deixando-os em casa à 1 da madrugada e pegando um táxi para voltar para suas habitações.

É 1 da madrugada, e no prédio onde mora o patrão, os saguões de entrada estão cheios de pessoas deitadas. São os servidores e varredores que trabalham dentro durante o dia, mas dormem fora à noite; que limpam os toaletes, mas não se atrevem a usá-las. Eles aprenderam a dormir sobre as frias lajotas, com os moradores do prédio passando por cima deles ao retornar das noitadas regadas a champagne.

A Índia está mudando tão depressa que começa a se parecer com qualquer outro lugar. Os arranha-céus brotam. Cidades incham. Os jovens namoram, bebem, fumam livremente. Mas muitas das pessoas que estão tornando nova a nova Índia - dos corretores de ações às engalanadas socialites- são responsáveis pela preservação de um elemento de certa forma lúgubre do passado indiano: uma tendência a tratar os funcionários contratados como sua propriedade, insultá-los e humilhá-los e ser condescendente com eles, comportar-se como se alguns seres humanos tivessem nascido para servir e outros para serem servidos.

"Os indianos são provavelmente as pessoas menos democráticas, morando na maior e mais plural democracia do mundo," como afirmam Sudir Katar e Katharina Kakar, dois conhecidos estudiosos da cultura indiana, em um livro publicado recentemente, "The Indians: Portrait of a People" ("Os Indianos: Retrato de um Povo").

É compreensível que, em épocas de abundância, os indianos prefiram falar de outras coisas.

Mas se um diretor de cinema em Mumbai se impuser, em breve ele estará falando sobre empregados domésticos. Em uma tentativa de expor as relações entre empregados e servidores na Índia, da mesma forma que "A Cabana do Pai Tomás" mostrou a escravidão americana, Raja Menon fez um novo filme provocativo, retratando a Índia a partir do ponto de vista de um serviçal.

O filme, "Barah Ana", que pode ser traduzido toscamente como "dar troco a menos" está atualmente sendo julgado por júris de festivas em Toronto e Veneza.

Ele conta a história de três pessoas que migram para Mumbai, dos miseráveis lugarejos do norte da Índia. Trabalham como chofer, garçom e guarda de segurança, mandando a maior parte de seus ganhos para casa.

São heróis em suas cidades; mas em Mumbai, são pessoas invisíveis, enfrentando a dureza que é ser um subordinado de outras pessoas em épocas de prosperidade.

Em uma das cenas, uma rica dona de casa, rechonchuda e toda cheia de acessórios Louis Vuiton, circula pela cidade no banco de trás de seu utilitário negro, tagarelando no celular. De repente, o chofer pisa no freio, fazendo a mulher balançar e interromper a conversa.

"A criança que estava mendigando ficou na frente do meu carro," ela explica indignada à sua amiga, em inglês, depois de retomar o telefonema. "E aquele idiota do chofer simplesmente brecou."

Em outra passagem, um guarda de segurança descobre que seu filho está doente e que sem um tratamento que custa US$ 150, ele morrerá. Yadav circula o prédio onde mora pedindo empréstimos de locatários que costumam gastar US$ 40 em pizzas.

Os moradores, grudados em suas televisões, o tratam como um cachorrinho que deve ser enxotado.

Naquela noite, ao se sentar para beber com amigos, ele se vê diante do que significara enterrar um filho. "Por que será", ele se queixa, "que uma pessoa só consegue sentir a própria dor e não a de outros?"

A resposta do diretor é que a Índia tem algo mais profundo que um problema de pobreza.

O país tem, em sua opinião, um problema de "desumanização". Em uma entrevista, ele descreve os empregados e servos da Índia como se fossem "duas espécies diferentes".

A primeira parte do filme faz uma crônica das pequenas humilhações na Índia com um realismo de dar calafrios. A segunda parte prevê a explosão de violentas revoltas em um país cuja elite há muito se tranqüiliza com a idéia de que os pobres irão aceitar estoicamente sua condição.

Menon acredita que tal estoicismo está minguando, em uma época na qual os ricos estão mais visivelmente ricos e os excluídos estão cada vez mais conscientes de sua condição de privações.

Há muito se diz aos pobres que a pobreza é merecida, diz ele. Mas agora eles vêm a riqueza por toda parte, e estão começando a acreditar que a pobreza é circunstancial e pode ser revertida.

"É a aí que os diques se rompem", ele diz, "no momento em que a pessoa sente: 'Não é verdade que o meu lugar é esse'. Um momento desses parece ter ocorrido recentemente, há algumas noites. O filme foi apresentado a um público de indianos jovens, de classe média, representantes da nova prosperidade do país.

Mas um deles, Mitesh Thakkar, um gerente de marketing de 30 anos, chegou com o motorista de táxi que ele costuma contratar, e trouxe diversidade, ao convidar o motorista para assistir ao filme.

Thakkar reagiu como qualquer um reagiria se sua classe social fosse acusada. O filme é bom, "mas toma partido", ele disse: "Talvez existam 70% de pessoas que os tratam mal, mas existem 30% que os tratam bem."

Mas para o motorista do táxi, Javed Ali, o filme tornou-se um clássico no mesmo instante.

"Essa história é a verdade," ele disse. "Mostra tudo que eu penso".

Ali é um trabalhador migrante, de 20 anos, e conhece de perto as humilhações mostradas no filme. Às vezes pessoas tomam seu táxi e recusam-se a pagar; às vezes estão bêbadas e o maltratam; às vezes gritam para ele: "Você não presta."
Depois da projeção, algumas pessoas do público, incluindo Thakkar e Ali, foram jantar. (Pode ter sido influência do filme: jantar com um motorista de táxi na Índia é atravessar uma linha raramente cruzada.)

Os outros participantes do jantar quiseram saber o que Ali, o único pertencente à classe trabalhadora na mesa, achou do filme. Ali respondeu, de forma casual, que sabia de onde vinham os personagens, que compreendeu a ânsia deles por vingança, depois de tantos anos de humilhação.

"Ele disse que quando o motorista seqüestra sua patroa - ele fez a coisa certa," contou Thakkar mais tarde, lembrando-se dos comentários de Ali. "Mesmo que ele tenha sido pego, precisava daquele seqüestro."

Naquela noite, naquela mesa ocupada de forma tão incomum, com parte próspera e a pobre lado a lado, as realidades paralelas da Índia se colidiram de forma uma efêmera e ameaçadora.
Tradução: Claudia Dall'Antonia

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