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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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sábado, 3 de abril de 2010

Entre Deus e Darwin

FSP (03/04/2010)

Editoriais: Entre Deus e Darwin


Brasileiros parecem ter discernimento intuitivo de que questões de ciência não competem com convicção religiosa


"UMA APAIXONADA predileção por besouros." Essa foi a resposta de J.B.S. Haldane (1892-1964) quando lhe perguntaram o que a teoria da seleção natural revelava a respeito dos desígnios de Deus. O biólogo britânico, que era ateu, aludia de forma irônica à fantástica abundância de insetos coleópteros na natureza.


Pesquisa Datafolha publicada ontem revelou que apenas 8% dos brasileiros endossariam Haldane, ao concordar que os seres vivos são produto de lentíssima evolução na qual variações fortuitas, mas vantajosas à sobrevivência e reprodução, se disseminam e acabam por dar origem a novas espécies, mais adaptadas a seu ambiente. Seriam os darwinistas "puros".


Deles discordam expressiva parcela de 25% dos brasileiros, os quais se mostram criacionistas, pois acreditam que os seres vivos tenham sido concebidos e materializados por Deus num único ato criativo.


Nos EUA, onde estão enraizadas facções do cristianismo evangélico que tomam as escrituras sagradas ao pé da letra, os criacionistas são estimados em 45%. Não surpreende que seja aquele o país onde as implicações filosóficas e religiosas do darwinismo alcancem estridente controvérsia, que já deu ensejo a disputas judiciais renhidas a fim de preservar o ensino laico de contaminações religiosas.


Pesquisas parecidas realizadas na Europa revelam cenário variado. Em países como Itália, Irlanda e Polônia, o índice de criacionistas se aproxima do brasileiro, a sugerir que nas nações de maioria católica essa questão não é relevante, talvez nem pertinente. Os católicos sempre estiveram à vontade com interpretações figuradas do evangelho.


Com efeito, a maioria dos brasileiros (59%) combina a aceitação do processo darwiniano com a fé na condução e supervisão divina, situadas num plano superior ao da natureza. Embora inverossímil aos olhos de quem for ateu, essa conciliação de crenças não é absurda. Sugere, ao contrário, um discernimento intuitivo de que questões de ciência não competem com questões de convicção religiosa. São campos que correspondem a dimensões diferentes da consciência humana.


Não é menos verdade que o darwinismo dito "puro" tende a crescer conforme aumenta a educação formal. Seus índices mais altos na Europa, por exemplo, estão nos países escandinavos. Já na Turquia, mais da metade da população se declara criacionista. É de supor que em países de predomínio islâmico essa marca se repita ou seja suplantada, pois o Islã tende a adotar uma visão mágica e literal do advento do homem na Terra.


O levantamento Datafolha desencoraja certa tendência a importar uma polêmica que pode fazer sentido nos EUA, mas que não se sustenta em nossa realidade cultural. Faz algumas décadas, o antropólogo Roberto DaMatta identificou como desafio brasileiro reunir a rua e a casa, a lei e a família, o sobrenatural e o prosaico. Parece que em matéria de religião e darwinismo, esse sincretismo à brasileira já vigora.

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