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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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domingo, 8 de fevereiro de 2009

'O Papa decepcionou judeus e muçulmanos'

O Globo, Mundo, página 34, em 08/02/2009.


'O Papa decepcionou judeus e muçulmanos'

Teólogo afirma que as últimas decisões de Bento XVI causaram um dano quase irreparável à Igreja Católica


ENTREVISTA Hans Küng

O teólogo suíço Hans Küng, de 80 anos, ex-colega de Joseph Ratzinger no Departamento de Teologia da Universidade de Tübingen, nos anos 60, disse que as últimas decisões do Vaticano causaram um dano quase irreparável para a Igreja Católica. Em entrevista ao GLOBO, Küng afirmou que não foi por mal-entendido que Bento XVI reabilitou os bispos que negam o Holocausto e que Ratzinger sempre teve uma simpatia pelas tendências ultraconservadoras da Igreja. Para ele, os danos serão notados até no Brasil, onde a perda de credibilidade poderá causar uma escassez ainda maior de padres. Küng é presidente da Fundação Ética Mundial, que promove o estudo de relações interreligiosas, com sede na Alemanha.


Graça Magalhães-Ruether Correspondente

BERLIM


O GLOBO: A chefe do governo alemão, a chanceler federal Angela Merkel, ficou satisfeita ao tomar conhecimento de que o Vaticano havia finalmente exigido de um dos bispos que haviam tido a excomunhão revogada deixasse de negar o Holocausto.

Dias antes, ela exigira um esclarecimento do caso por parte do Papa. Um chefe de governo pode tentar interferir nas decisões da igreja?

HANS KÜNG: Neste caso, sim.

Ela tinha ouvido muitos comentários apreensivos de católicos e judeus. Ela tentou interferir por ter o receio de que um Papa alemão prejudicasse a imagem dos alemães. Ela pôde interferir porque o assunto não diz respeito apenas à igreja, mas é um tema muito importante para os alemães, a lembrança da época mais dramática da História do país, o trauma do regime nazista e do Holocausto.


Na sua opinião, o Papa foi ingênuo ao suspender a excomunhão dos bispos?

KÜNG: Ele não foi ingênuo e não se trata também de um mal-entendido, nem de um erro de comunicação. O Papa decepcionou agora os judeus da mesma forma que fizera antes com os muçulmanos. Já em consequência da sua origem bávara, ele sempre teve um devocionismo católico. As últimas decisões do Vaticano causaram um dano quase irreparável para a Igreja Católica.


Ele não foi ingênuo. Sempre teve uma simpatia secreta pelas tendências ultraconservadoras da Igreja. Na época do início do Concílio Vaticano II, em 1962, quando nós dois éramos os conselheiros mais jovens do Concílio, nos entendemos muito bem. E também durante o nosso trabalho na Universidade de Tübingen, onde nós éramos professores. Mas, já no final dos anos 60, por ocasião da revolta estudantil, Ratzinger mostrou sinais do seu reacionarismo.


No início do seu pontificado, Bento XVI parecia ter deixado de ser reacionário. O que mudou?

KÜNG: Eu acho que ele decepcionou o mundo católico.


Eu também me decepcionei.


Pouco depois do conclave, em 2005, eu tive com Bento XVI uma conversa de quatro horas em Castel Gandolfo. A minha impressão foi muito positiva. Pensava que se tratava do início de uma nova era. Mas depois não vi mais nenhum sinal por parte dele que indicasse que queria renovar a igreja. Vimos apenas um retorno ao passado, a volta da missa em latim, as orações pela iluminação dos judeus da Sexta-Feira Santa e agora essa reabilitação de bispos que têm posições contra os judeus.


Que opção resta ao Vaticano agora, depois de ter provocado uma avalanche de críticas? O Papa pode pressionar por uma mudança de posição dos religiosos que foram perdoados, como já chegou a exigir?

KÜNG: É muito difícil. Não se trata apenas do bispo que negou a existência do Holocausto.


Para mim, igualmente importante é a posição dessa ordem em relação ao judaísmo internacional e ao Concílio Vaticano II, como sobre a liberdade de religião, relações positivas com a igreja protestante, melhoria das relações com a religião muçulmana e, principalmente, a reforma litúrgica decidida pelo concílio.


Como o Papa Bento XVI poderia evitar mais danos para a Igreja Católica?

KÜNG: O Papa tem duas possibilidades.


Ele pode procurar ter paciência até o fim da polêmica, na esperança de que as críticas diminuam. Mas aí ele corre o mesmo risco que teve o Papa Paulo VI, em 1968, por ocasião da encíclica “Humanae Vitae”, contra a pílula e os métodos anticoncepcionais . Ele também tentou aguardar o fim da polêmica, mas esse fiasco passou a ser constantemente associado ao seu pontificado. A melhor possibilidade seria exigir dos bispos que mudem suas posições em relação ao Concílio Vaticano II. Caso contrário, a excomunhão deve voltar a vigorar.


Na minha opinião, seria importante que Bento XVI ressaltasse a importância do concílio e do Papa João XXIII agora, quase 50 anos depois do concílio.


O Vaticano corre o risco de perder a sua credibilidade no mundo católico?

KÜNG: O risco é grande, pois a polêmica atual ocorre em uma situação já crítica da Igreja. Essa perda de credibilidade é o pior que poderia acontecer com um Papa. Ele deveria abordar os problemas da Igreja, a falta de coleguismo entre os bispos, os problemas das comunidades, que são cada vez mais graves no Brasil, como a escassez de padres, dos constantes escândalos sexuais envolvendo padres e bispos. A perda de credibilidade da igreja poderá aumentar a escassez de padres no Brasil. O Papa precisa agir com urgência para resolver esses problemas em vez de perder tempo reabilitando bispos que são antijudeus e antiConcílio Vaticano II.


O senhor é a favor de uma possível renúncia do Papa Bento XVI?

KÜNG: Teoricamente, uma renúncia seria possível. Alguns jornais chegaram a divulgar que eu havia exigido a renúncia, mas isso não é verdade. Eu exigi apenas uma correção da política do Vaticano.



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