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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A religião incentiva o comportamento altruísta

ENTREVISTA

AZIM SHARIFF


A religião incentiva o comportamento altruísta


Para psicólogo que trabalha sob óptica da evolução, crença em Deus promove ajuda mútua, mas só em certas condições.


O GRANDE conflito opondo ideologias laicas e religiosas hoje está na biologia, com o movimento criacionista tentando impor às escolas o ensino de conceitos do Gênesis bíblico como alternativa à teoria de Darwin. Um grupo de psicólogos que trabalha numa frente menos conhecida, enquanto isso, cria controvérsia por outro motivo: eles tentam usar a evolução para explicar por que a religião surgiu. Segundo o canadense Azim Shariff, porém, é justamente porque ela promove o bem.


RAFAEL GARCIA

DA REPORTAGEM LOCAL

Folha de São Paulo, Ciência, em 25/12/2008.


Em parceira com o psicólogo Ara Norenzayam, Shrarif publicou neste ano um estudo na prestigiosa revista "Science".

Os dois defendem a teoria de que a religião surgiu em sociedades humanas arcaicas porque promove a cooperação dentro de grupos de pessoas.

Experimentos comportamentais, porém, mostram que isso ocorre mais apenas quando o ato altruísta contribui para a reputação das pessoas. Em entrevista à Folha Shariff falou sobre seu trabalho.


FOLHA - Best-sellers como os do jornalista Christopher Hitchens e do biólogo Richard Dawkins apontam a religião como fonte de conflito. Seus estudos, porém, indicam que a crença religiosa dá vantagem evolutiva a grupos humanos, porque incentiva a cooperação. O que acontece, então, é justamente o oposto?

AZIM SHARIFF - Eu não diria que é o oposto. Hitchens e Dawkins estão adotando um ângulo uniformemente negativo sobre religião. Se você procura algo mais próximo da verdade, será mais equilibrado. Obviamente, não vai descobrir que a religião é uma coisa totalmente boa, da mesma forma que ela não é totalmente ruim. Nós mostramos que ela promove algum bem, mas apenas quando condições específicas são cumpridas.

Nossa pesquisa em geral causa reação de desapontamento tanto entre pessoas contra quanto a favor da religião, porque ela não diz que ela é má, como Hitchens, e não diz que a religião é boa, como aqueles que pregam suas religiões. Nós descobrimos, de fato, que a religião incentiva o comportamento pró-social, mas não pelas razões que as pessoas religiosas gostariam de acreditar.


FOLHA - Vocês citam estudos mostrando que o comportamento cooperativo, pró-social da religião, existe mais quando o altruísmo ajuda a melhorar a reputação da pessoa. Isso revela algo cínico ou egoísta?

SHARIFF - Sim, mas as as razões conscientes que temos para nossas ações pró-sociais são muito limitadas. Não temos acesso total às nossas próprias motivações. As pesquisas das ciências cognitivas sobre moral apontam que normalmente agimos por motivos egoístas. Humanos são feitos assim.

Normas culturais não existem por motivos egoístas, mas são egoístas da perspectiva do grupo. Qualquer ação nossa é motivada em certa medida por auto-interesse. O fato de a religião cooptar esse auto-interesse não a torna pior do que qualquer outra motivação que tenhamos para fazer o bem.


FOLHA - Seu estudo dá a entender que a crença em um Deus moral e capaz de punir foi boa no passado porque ajudou sociedades com uma espécie de "vigilância" em prol da cooperação. É isso que aconteceu?

SHARIFF - Sim, essa é a teoria que estamos trabalhando. Antigamente, nas sociedades humanas, quando não havia grandes sistemas judiciários, a vigilância era limitada. As pessoas tinham que monitorar a reputação de todas as outras, e era muito mais fácil para os trapaceiros evitarem ser pegos. O que a religião fez foi "terceirizar" toda essa vigilância para um ser onisciente, que poderia vigiar e punir todo mundo. A partir de então, as pessoas não trapaceariam, ou seriam incentivadas a não fazê-lo, porque não teriam como escapar de Deus da mesma forma que escondiam suas trapaças das pessoas comuns.


FOLHA - Como a psicologia evolutiva busca evidências para saber o que aconteceu no passado, já que não pode viajar no tempo para saber como as pessoas pensavam?

SHARIFF - É verdade que as alegações em psicologia evolutiva são difíceis de comprovar. O que tentamos fazer é usar evidências de diversas outras áreas da ciência. Nós combinamos psicologia social experimental moderna com evidências antropológicas que analisam como os grupos desenvolveram crenças e rituais no passado, e se isso contribuiu para sua durabilidade.

Nós argumentamos que sociedades que adotam crenças em deuses poderosos costuma ser maiores, e duram mais, você precisa olhar para a história e ver se ela apóia essa tese. E ela suporta, porque você pode generalizar isso para todos os grupos ao longo do tempo. Um estudo que mencionamos é sobre comunidades laicas e religiosas nos EUA. Descobrimos que em comunidades religiosas, costuma durar mais do que as comunidades laicas.
Olhando o registro histórico, também vemos que grupos que enfrentaram desafios para estabelecer a colaboração próxima são mais propensos a adotar crença religiosa, o que facilita esse tipo de cooperação.


FOLHA - Cristianismo, islamismo e judaísmo cresceram por possuírem essas características?

SHARIFF - Absolutamente, sim. Mesmo com a maioria das religiões do mundo não possuindo esses grandes agentes punitivos, as religiões que o possuem têm a maioria dos fiéis. Parte disso é pelo modo como elas funcionam. Há outras coisas sobre o cristianismo e o islamismo, é que são religiões profetizantes, com iniciativas de disseminação missionária que as permitem crescer mais rapidamente do que outras religiões. É um processo de evolução da religião. Hoje nos EUA partes do cristianismo estão mudando de acordo com as novas condições sociais em que se encontram.

Veja, por exemplo, o catolicismo, que sempre teve boa parte de sua sustentação em rituais, em um Deus particularmente rigoroso e no medo do inferno.

Essas coisas estão mudando na para coisas mais alegres e em um Deus mais amável. A razão para isso acontecer é que os deveres punitivos da religião não pertencem mais ela, devido aos grandes sistemas judiciais seculares que existem hoje. E com as religiões se tornando mais legais com as pessoas, seu poder de disseminação aumenta ainda mais.


FOLHA - Quando vocês explicam religião pela seleção natural, o que está sendo selecionado é o comportamento das pessoas ou as características genéticas que as tornam mais propensas à crença?
SHARIFF -
Eu não acredito que a seleção genética seja especialmente forte no que se refere à disseminação das religiões. O que acredito é que exista um processo de co-evolução entre genes e cultura. Inicialmente você tem seleção cultural nessas religiões. Alguns estudos argumentam que pessoas religiosas costumam ter mais filhos, mas eu não acredito que haja evidências suficientes favoráveis a isso ao longo da história.


FOLHA - Alguns sociólogos dizem que o cristianismo lançou as bases morais para o capitalismo. O consumismo desenfreado com presentes de Natal é hoje um sinal disso?

SHARIFF - Li algumas coisas a esse respeito, mas nunca estudei religiões sob aspecto da economia de mercado. É claro que o Natal é um grande negócio. Se, de fato, ele estimula as pessoas a se tornarem mais ligadas a suas religiões, talvez elas fiquem mais generosas. As pessoas realmente dão presentes às outras no Natal, mas dizer quando isso ocorre por generosidade ou por uma cultura de comercialismo já é mais difícil.


FOLHA - Cientistas têm reagido vigorosamente à intromissão da religião no ensino de biologia, o criacionismo. Religiosos, em contrapartida, podem questionar aquilo que vocês estão fazendo: usar ciência da evolução para explicar a religião?

SHARIFF - Sim. A idéia de olhar para a religião com uma óptica científica é uma coisa que deixa iradas muitas pessoas religiosas mais fundamentalistas. E o fato de estarmos usando para isso os processos darwinísticos, em particular, pode torná-las duplamente iradas. É compreensível que elas fiquem assim, mas isso faz parte do fato de que nós, psicólogos, tentamos explicar o comportamento humano para os humanos. É como se disséssemos "nós sabemos por que você está fazendo isso melhor do que você mesmo sabe". E o fato de que tratamos especificamente de religião certamente incomoda mais.

Tornar a religião um objeto das ciências naturais, não é uma coisa com a qual as pessoas religiosas se sentem confortáveis. Mas não podemos deixar isso nos afetar. Temos que tentar nos comprometer com a verdade o máximo possível. Não tentamos suavizar nossa linguagem, mas não temos uma agenda específica de ateísmo a cumprir.


FOLHA - Você tem recebido muitas cartas com ofensas?

SHARIFF - Eu não diria que são muitas. Nós recebemos um bocado de reações negativas por parte de pessoas religiosas, mas muitas pessoas não-religiosas reagiram negativamente também. O que achei interessante foi a reação da mídia, que costuma descrever nosso estudo ou como totalmente pró-religião ou como totalmente contrário.


FOLHA - Como surgiu seu próprio interesse em psicologia da religião? Você é religioso ou nasceu eu uma família religiosa?

SHARIFF - Fui educado como muçulmano, mas perdi meu interesse em religião quando era adolescente. Quando cursei a graduação é que meu interesse em religião ressurgiu. O que acho que foi bom, e que me permitiu permanecer mais neutro em relação ao assunto, é o fato de que eu não tive um interesse especial em religião antes. Eu não amava religião mas também não a desprezava.


FOLHA - Você acha que a religião serve como parte da explicação para os conflitos no Oriente Médio? Em seu estudo você diz que a religião favorece cooperação dentro de grupos mas não entre um grupo e outro?

SHARIFF - O que acontece é que hoje esses grupos de pessoas acabam tendo contato um com outro muito mais freqüentemente. No passado, talvez uma pessoa só encontrasse alguém de uma religião diferente duas ou três vezes na vida. Mas hoje, especialmente em lugares religiosamente diversos como o Oriente Médio, isso ocorre muito mais, o que gera muito mais tensão.

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