Opinião é de um dos principais estudiosos do assunto, Tariq Modood, pesquisador da Universidade de Bristol
Para o professor, o ideal de preservação total das culturas minoritárias foi um obstáculo à integração de imigrantes na Europa
Folha de São Paulo, Mundo, em 02/11/2008.
O ideal de preservação das culturas minoritárias, que, por décadas, orientou as políticas públicas em países como a Holanda, não bastou para integrar os imigrantes na Europa. A crítica não vem da direita européia, mas de Tariq Modood, pesquisador da Universidade de Bristol (Reino Unido) e um dos principais teóricos do multiculturalismo.
"Erramos ao focar no respeito à diferença sem, ao mesmo tempo, enfatizar o que temos em comum", diz o paquistanês, que esteve no Brasil na semana passada, como conferencista do Fronteiras Braskem do Pensamento. Mas ressalva: "Tudo o que deu errado é identificado com o multiculturalismo.
O que deu certo é chamado de diversidade". Em entrevista à Folha, Modood falou sobre a reação cristã à presença muçulmana e os desafios da integração na Europa e nos EUA.
FOLHA - A ênfase na preservação da identidade dos imigrantes, presente no multiculturalismo, pode pôr em risco a coesão social?
TARIQ MODOOD - Depende da forma de multiculturalismo. A maioria dos multiculturalistas está preocupada em criar uma sociedade com algum grau de solidariedade cívica. Mas nós erramos ao focar no respeito às diferenças culturais sem, ao mesmo tempo, enfatizar o que temos
FOLHA - A Holanda foi, por muitos anos, a principal vitrine do multiculturalismo. Mas, desde o assassinato de Theo van Gogh [cineasta morto por um muçulmano holandês em 2004], o país vem repensando o modelo de integração.
MODOOD - Os holandeses eram muito bons em políticas de acomodação cultural, mas não foram tão eficientes em garantir oportunidades de sucesso na sociedade holandesa. O Estado de bem-estar social holandês era muito generoso, de modo que havia pouco incentivo à integração econômica. Acho que as políticas holandesas sofreram com esse desequilíbrio.
FOLHA - Qual o impacto disso para as políticas de integração dos imigrantes na Europa?
MODOOD - Em termos de retórica política, o termo multiculturalismo se tornou muito impopular. Tudo o que deu errado é identificado com o multiculturalismo. O que deu certo, como a redução da desigualdade entre raças no Reino Unido e a aceitação das diferenças religiosas, é chamado de diversidade. Mas, em termos de políticas públicas, não houve grandes mudanças, só uma ênfase maior na necessidade de conhecer o idioma, por exemplo.
FOLHA - Nos EUA, as tensões entre imigrantes e nativos raramente resultam em conflito aberto, como ocorreu nos subúrbios franceses e mais recentemente na Itália. A integração é mais fácil nos EUA?
MODOOD - Os EUA não têm as mesmas questões com relação aos muçulmanos, porque eles têm pouquíssimos imigrantes islâmicos, quase todos trabalhadores especializados, dispersos pelo território. Mas a situação dos latinos nos EUA é muito parecida à dos imigrantes do norte da África na Europa: concentração demográfica, trabalhos de baixa remuneração, alto desemprego, imigração ilegal... Há uma sensação semelhante de que eles ameaçam a cultura dominante. Mas, sem dúvida, os EUA são mais hospitaleiros à imigração. Há mais mobilidade social e menos preocupação com a concentração demográfica. Na Europa, as pessoas se preocupam se muita gente morena começa a ser vista na vizinhança. Os EUA também são mais tolerantes com a expressão religiosa das minorias. Até porque são um país onde se espera que as pessoas tenham uma religião, ao contrário da Europa.
FOLHA - Mas o secularismo institucional não é uma precondição para acomodar diferentes religiões?
MODOOD - O secularismo europeu é, em geral, uma posição conciliadora. Busca criar uma distinção entre política e religião, mas, ao mesmo tempo, acomodar as diferentes religiões de modo pacífico. Na maior parte do continente, prioriza-se a liberdade de religião. Apenas na França, a prioridade foi, historicamente, libertar-se da religião. Infelizmente, essa interpretação extrema tem ganhado força na Europa, porque muita gente teme que os muçulmanos estejam trazendo religião demais para a esfera pública. Mas banir religião da vida pública apenas torna a integração dos muçulmanos mais difícil.
FOLHA - Seus trabalhos falam sobre o fortalecimento de uma identidade cultural cristã na Europa, apesar do declínio da religião. É possível dissociar essa identidade cristã do sentimento antiimigrante?
MODOOD - São indissociáveis. Há um declínio muito acentuado da freqüência a cultos religiosos na Europa e da influência da religião na vida das pessoas. Mas o que notamos, em pesquisas recentes, é que as pessoas optam por firmar uma identidade cultural cristã.
Suspeito que seja uma reação à presença de pessoas identificadas como não-cristãs. Nem todos os muçulmanos são praticantes, e muitos priorizam outras formas identitárias, como nacionalidade ou profissão.
Mas, como grupo demográfico, os muçulmanos enfatizam muito mais a religião como identidade primária do que as pessoas na Europa ocidental. Quando as pessoas enfatizam uma determinada identidade, os outros reagem a isso.
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