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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Papa Pio XII começa a ser reabilitado

Diário dos Açores, em 08/10/2008 - Cinquenta anos após a morte de Pio XII, a sua memória começa a ser reabilitada e a ser reposta a verdade sobre as acusações de "cumplicidade" com o regime nazi e de "silêncio" quanto às perseguições aos judeus.

Num processo que leva cerca de cinco anos, estudiosos, responsáveis judeus e altos dignitários da Igreja reconhecem agora que Pio XII, falecido a 09 de Outubro de 1958, teve uma decisiva acção no salvamento de milhares de judeus, muitos deles passando por Portugal, pautando, no entanto, sempre a sua acção pela prudência.

Mas é precisamente essa prudência que ainda hoje faz com que responsáveis religiosos judaicos se oponham ao processo de beatificação de Pio XII.

Na segunda-feira, em Roma, o rabino-chefe israelita de Haifa, Shear-Yashuv Cohen, reprovou a beatificação do Papa Pio XII, alegando que o antigo Sumo Pontífice não se insurgiu contra o regime nazi. "Cremos que não deveria ser beatificado ou ser considerado como modelo quem não levantou a voz, ainda que, de maneira secreta, tenha tentado ajudar-nos", declarou o rabino, depois de participar no Sínodo de bispos no Vaticano.

Homem de "grande craveira intelectual" e hábil diplomata, como o definiu à Lusa D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa e especialista em Teologia e em História Eclesiástica, Pio XII foi, segundo Eliezer Di Martino, rabino da Comunidade Israelita de Lisboa, uma vítima de quem quis denegrir a imagem da Igreja Católica.

Com a memória manchada pelo que veio a convencionar-se por "lenda negra", Pio XII foi acusado de ter sido um chefe da Igreja retrógrado, conservador e, sobretudo, cúmplice, através do silêncio, do regime de Adolf Hitler, não se pronunciando clara e publicamente sobre o que se estava a passar.

Nada mais longe da verdade, referiu à Lusa D. Carlos Azevedo, até há pouco porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, presidente da Fundação Spes (D. António Ferreira Gomes) e responsável no Patriarcado pelos bens culturais.

"Ao contrário do que tem sido dito, Pio XII não foi de modo nenhum o "Papa dos nazis". Ele salvou muitos judeus da morte, como é provado por estudos de várias entidades, inclusivamente investigações judaicas", referiu por seu lado Eliezer Di Martino.

O responsável da Comunidade Israelita atribuiu a má fama de Pio XII a interesses "políticos e de grupos", mais interessados em atirar lama contra instituições como a Igreja Católica, "para culpabilizá-la pelo que aconteceu".

A "lenda negra" começa a aparecer em meados de 60, com a peça "O Vigário", de Rolf Hocchuth, que, num diálogo ficcionado entre Pio XII e um padre jesuíta, procura fazer ligações entre a atitude do Papa e um alegado anti-semitismo da Igreja e alegadas cumplicidades económicas do Vaticano.

Uma opinião que na altura não era partilhada pelas autoridades judaicas: quando Pio XII morreu, a então primeiro-ministro israelita, Golda Meir, enviou uma mensagem de condolências em que lastimava a morte do Papa, referindo o papel que desempenhou no salvamento de milhares de judeus.

A abertura dos arquivos do Vaticano permitiu a realização de estudos que mostram uma visão mais matizada da acção de Pio XII, explicada pela sua formação diplomática.

D. Carlos Azevedo destaca também o facto de o então bispo e cardeal Eugénio Pacelli ter sido secretário de Estado do Vaticano e Núncio Apostólico na Alemanha e noutros países, o que lhe deu "uma grande habilidade diplomática, mas ela nunca foi ultrapassada por uma falta de respeito pelos direitos humanos". "Defendeu Roma e a Itália no contexto das ameaças nazistas, não deixando de ter em conta as pessoas que estavam a ser vítimas do regime fascista", referiu.

"Houve uma altura na própria Igreja em que para sacralizar João XXIII se diabolizou Pio XII", acusou, indicando que uma visão mais distanciada dos acontecimentos prova agora que não se registou uma ruptura entre o seu papado e o que se seguiu, de João XXIII, o Bom Papa João como ficou conhecido. "O que houve, isso sim, foi uma grande diferença de temperamentos, com Pio XII a tomar uma atitude mais reservada e João XXIII mais descontraído e a tomar decisões mais arrojadas, do estilo de avançar e quem vier atrás que feche as portas", comentou.

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