O ser humano é mentiroso, corrupto, frágil e confuso
Luiz Felipe Ponde
Artigo publicado
no Jornal GAZETA DO POVO
Entrevista Luiz Felipe Ponde
“O ser humano é mentiroso, corrupto, frágil e confuso”
Guilherme Voitch
Gazeta do Povo – Vida e Cidadania, em 14/04/2008.
Filósofo, professor da pós-graduação em Ciências da Religião do departamento de Teologia da PUCSP, da Faculdade de Comunicação da FAAP, professor convidado do Centro de Ensino da Saúde na Escola Paulista de Medicina e articulista no jornal O Estado de São Paulo, Luiz Felipe Ponde esteve em Curitiba no final de semana a convite do Ichthys Instituto. Em sua palestra, entitulada “A Crítica do Mito de Babel: Bento XVI e a (Pós) Modernidade”, ele faz uma relação entre Igreja Católica, religiosidade, política e sociedade atual. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele falou sobre os sintomas da chamada pós-modernidade, como o isolamento, a busca da felicidade instantânea e das soluções mecânicas. Para Ponde, porém, não são fórmulas políticas e nem o poder estatal que podem auxiliar o ser humano a encontrar suas respostas. A saída, segundo ele, estaria em uma volta aos valores religiosos, à valorização da família e das relações sociais.
No atual cenário em que persiste o conflito entre judeus e palestinos, em que temos uma relação complicada entre a China e o Tibete, qual seria o papel político e espiritual do Papa Bento XVI? O primeiro papel do Bento XVI é romper a visão superficial que é bem típica das nossas últimas décadas. Não acho que ele tenha possibilidade de ter um impacto tão grande nessas questões que você colocou. A gente vive em um mundo em que o papa é apenas um dos atores que pode fazer a diferença. Para as pessoas a quem ele chega ou que têm relação com ele, o papel dele é no sentido de romper a superficialidade da experiência espiritual, da obsessão pela felicidade material, da obsessão pelo formato de pensar em chaves de engenharia e de política, e isso é uma característica do pensamento do Bento XVI. O papel é mostrar, assim como outros autores não-papas e não-teólogos, como a modernidade vive problemas que têm a ver exatamente com a radicalização da visão política do mundo.
O papa anterior, João Paulo II, teve um papel político importante relacionado ao fim do comunismo. O senhor acha que o Papa Bento XVI não terá esse papel ou não terá oportunidade histórica para exercê-lo? A oportunidade histórica de João Paulo foi que ele era polonês, vinha de um país que estava inserido no coração do processo que a gente chamava de Cortina de Ferro. Eu não acho que a Cortina de Ferro caiu pela atuação de João Paulo II. Ele foi uma figura que catalisou essa imagem na medida que há na Polônia um número gigantesco de católicos. João Paulo II teve um papel, mas foi contextual e isso jogado no cenário internacional compôs essa situação. Mas o muro cairia com ou sem ele. E eu não vejo imediatamente onde que Bento XVI teria uma outra oportunidade como essa que João Paulo viveu. Talvez o Bento XVI tente aproveitar o momento histórico do medo que os europeus têm dos islâmicos dentro da Europa. E talvez seja uma oportunidade de apontar para essa inércia e a dificuldade que a gente tem para se relacionar com o avanço do islamismo.
Em seus artigos o senhor fez críticas ao marxismo, mas também critica o consumismo excessivo e a ganância do mundo capitalismo. Existe um meio-termo? O que me parece é que o capitalismo, de alguma forma, é menos equivocado em relação ao comportamento humano. Aí que está o sucesso dele. E é por isso que ele se revela mais perigoso a longo prazo. Quanto ao comunismo e ao socialismo, olhe Cuba. O lema é “visite Cuba antes que Fidel acabe”. Se não existisse a formação marxista dos nossos professores todo mundo veria Fidel como um Stalin, um Hitler, como ele é. Mas como ele está aqui perto e a gente tem uma formação de esquerda, a gente o vê como Nuestro Fidel, o nosso ditador, o ditador do bem. Só que o ridículo e a incompetência dos regimes de esquerda já ficaram provados. E, nesse sentido, o capitalismo continua sendo mais perigoso, justamente porque ele tem uma relação com o ser humano e sua busca por felicidade que é mais simétrica. Por outro lado, na medida que ele é menos equivocado a gente pode aprender mais com ele. Mas em termos de regime político, uma das coisas das quais temos de nos libertar é essa história de que vamos encontrar o regime político ideal. O governo deve deixar as outras instituições da sociedade funcionarem. Que o Estado cuide, por exemplo, de fazer com que as pessoas não morram na fila quando estão doente, mas que não diga como as pessoas devem educar seus filhos. Que ele não deixe que os bancos consigam ganhar o lucro todo, mas deixe que as pessoas não paguem tantos impostos. Resumindo, quanto menos utopia tivermos em política, melhor.
Mas esse também não é um discurso típico da pós-modernidade? De que o Estado não pode interferir em determinados direitos, em direitos que me pertencem? Eu posso usar drogas, a eutanásia é uma escolha minha... São direitos? Não. O problema está na noção de direito. Quando o conceito de direito se transforma numa substância abstrata, que a partir daí você sai definindo tudo. Eu não acho que temos de definir uma coisa do tipo as pessoas têm direitos de fazerem tudo que elas querem.
Mesmo que isso represente um ônus apenas para elas mesmas? Eu acho que não. Não sabemos o que fazer com grande parte dos problemas que temos hoje. Eu não acho que o Estado consiga resolver, pelo seu sistema legislativo, o problema do uso de drogas. Esses problemas relacionados ao comportamento das pessoas são mais geridos pelo cotidiano das relações familiares do que pela proibição do Estado. O Estado deve continuar proibindo o uso de drogas. Mas, ao mesmo tempo, a possibilidade de estar perto de alguém que está usando drogas é muito maior por parte dos pais e dos colegas do que do Estado. É um colega que salva sua vida e não o Estado. Quando pensamos na relação entre indivíduo/ Estado fica estrangulado o indivíduo. É melhor pensar indivíduo, família, igreja, sindicato, associação de bairro, grupo de música, e aí o Estado. Temos várias dimensões no extrato social e é nesse tecido que o ser humano se constitui.
Hoje as relações estão focadas na questão indivíduo/Estado e indivíduo/mercado apenas? Os regimes ocidentais se saíram melhor porque pelo menos você tem o mercado. O que falta, é possível perceber. Percebemos no mundo capitalista o mal-estar e sabemos que não existe uma fórmula política que dê conta disso.
A esquerda brasileira aprendeu isso? Acho que todo mundo que está no poder, no caso hoje o PT está aprendendo a lidar com o fato de que o poder é muito maior do que qualquer ideologia. Tem a máquina, tem as demandas. E tem um erro básico na estrutura ideológica. É imaginar que quem está no poder não é igual às pessoas que o poder quer controlar. O ser humano é mentiroso, corrupto, frágil, confuso, esteja ele no poder ou não. O grande erro das utopias – e aí o socialismo e o comunismo erram mais do que o capitalismo – é achar que o ser humano não é assim, ou que ele poderia ser feito de outro jeito por algo mágico, pelo poder do estado. É o sintoma da doença. Na educação, por exemplo. Ela deveria ser menos estrangulada com menos teorias abstratas. Por exemplo, a professora da escola deveria ensinar Literatura, Matemática, Física e não começar a ensinar na escola Educação Sexual.
Por quê? Nessa noção de definir a relação entre Estado e direitos individuais no mundo moderno e pós-moderno, mostra-se exatamente a perda das outras dimensões, de dimensões intermediárias. Sem família, sem associação de bairro, onde a sociabilidade se constitui. O Estado não salva ninguém. Políticas públicas não salvam ninguém. Eu não sei se o ser humano se salva, mas onde que aprendemos a ser gente? Nas relações de infância. O Estado deveria se preocupar em preservar a família, se ele quer se preocupar em política pública. O problema é que o Estado iria constituir um Ministério da Família para ensinar as famílias a serem famílias. Eu acho melhor o contrário. Por exemplo, se o Estado parasse de se meter na vida da família dizendo como a criança deve fazer sexo, discutindo orientação sexual. O Estado não tem de fazer isso. Eu penso muito mais no que o Estado não tem de fazer do que no Estado tem de fazer. Quanto mais econômico, mais elegante. É muito mais uma questão moral do que política.
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Pondé estudou com jesuítas e morou em kibutz - FSP, Ilustrada, em 27/01/2007: "Paulo Francis, que estudou no Santo Inácio, dizia que quando você estuda em colégio jesuíta, você pode até se tornar ateu, mas você nunca vai conseguir se libertar da idéia de que tem uma alma."
Luiz Felipe Pondé, o autor da frase, também estudou em colégio jesuíta, só que em Salvador, na Bahia -e não no colégio da mesma ordem católica no Rio de Janeiro, citado pelo jornalista Paulo Francis.
Foi seu pai, militar e católico, que o matriculou lá. Com mãe judia, Pondé, que nasceu em Pernambuco, se aproximou mais do judaísmo no final da adolescência.
"Tive uma aproximação muito maior com a "coisa israelense" do que com a "coisa judaica".
Quando fiquei adolescente, entrei no movimento jovem sionista. Morei num kibutz, onde conheci minha mulher. O fato de ter casado com uma judia é que acabou determinando um certo cotidiano judaico. Mas não por conta de família."
Ambas as origens contribuíram, de toda forma, para a formação do hoje professor de filosofia e teologia e para seu respeito pelo saber religioso.
Durante uma conversa informal, é capaz de dizer que Jesus foi um "cabra macho", ao mesmo tempo em que afirma: "Minha questão pessoal religiosa, no entanto, sempre passou muito mais pela figura de Deus mesmo". (Rafael Cariello)
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