Budismo perde seu lugar no Japão
Jornal do Brasil, em 20/07/2008.
THE NEW YORK TIMES
– É a imagem do budismo funeral: a de que não chega às necessidades espirituais das pessoas – destaca Ryoko Mori, sacerdote-chefe do Tempo Zuikoji, prédio de mais 700 anos, no norte do Japão. – No islã ou no cristianismo, há sermões sobre questões espirituais. Mas no Japão, poucos sacerdotes budistas o fazem.
Mori, de 48 anos, é o 21º sacerdote-chefe do templo, mas não tem certeza se haverá um 22º.
– Se o budismo japonês não fizer nada agora, vai morrer – diz. – Não podemos pagar para ver na espera.
Por todo o Japão, o budismo encara uma confluência de problemas, alguns típicos de religiões em nações ricas, outros únicos à fé daqui.
A falta de sucessores a cargos como o Ryoko Mori põe em risco templos administrados por famílias em todo o país.
Enquanto o interesse no budismo está em declínio nas áreas urbanas, suas fortalezas religiosas rurais perdem população, com a morte de antigos adeptos e uma taxa de natalidade baixa.
Talvez mais significativo do que isso, o budismo está perdendo sua posição de indústria do funeral, quanto mais e mais japoneses optam por não ter funeral ou seguem para casas especializadas não-religiosas.
Na próxima geração, muitos templos no interior devem fechar, acabando com séculos de história local e somando-se ao êxodo rural.
Em Oga, na península de frente para o Mar do Japão, na prefeitura de Anika, sacerdotes budistas olham para a fria matemática do declínio da população e da pesca.
– Não é um exagero dizer que a população hoje é metade do que foi no seu auge, e que também todos os negócios foram reduzidos à metade – analisa Giju Sakamoto, 74, o 91º sacerdote-chefe do templo mais antigo de Akita, Chorakuji, fundado próximo ao ano 860. – Dada essa realidade, simplesmente insistir em que somos uma religião e que temos uma longa história, e de fato a de Akita é a mais longa, parece um conto de fadas. É sem sentido.
E Sakamoto chega a dizer:
– É por isso que eu acho que esse lugar não tem esperança.
Para sobreviver, Sakamoto põe sua energia na administração de uma casa de cuidados para a terceira idade e um novo templo no subúrbio de Akita. Mas esse templo tem apenas 60 membros desde que abriu há três anos – bem menos dos 300 que precisaria para se manter financeiramente viável.
Por séculos, a média dos templos budistas, cujo controle econômico interno passava de pai para primogênito, serviu como garantia de participação e como forma de proselitismo. E com 300 membros para prover, o sacerdote-chefe e sua mulher ficam muito ocupados.
Não apenas o número de templos no Japão está afundando – de 85.994 em 2006 para 86.585 em 2000, de acordo com a Agência Japonesas de Assuntos Culturais – como também o número de adesões a templos caiu.
– Temos de encontrar outros trabalhos porque apenas o templo não é suficiente – diz a sacerdote-chefe Kyo Kon, 73, do templo com 170 membros Kogakuin. Ela trabalha num centro de cuidados enquanto seu marido está empregado numa escritório de planejamento de manejo do solo.
Não longe dali, em Doshoji, onde hoje há apenas 85 membros anciãos, o sacerdote-chefe, Jokan Takahashi, 59, encara um problema comum a todos os pequenos negócios familiares do Japão: encontrar um sucessor.
Seu filho mais velho passou pelo treinamento para se tornar sacerdote budista, mas Takahashi estava na dúvida quanto a pedir que tome conta do templo.
– Meu filho cresceu conhecendo só o mundo do templo, e me disse que não se sente livre – diz, explicando o filho, hoje com 28 anos, trabalha numa empresa de uma cidade vizinha. – Ele me pediu que o deixasse livre enquanto eu continuasse trabalhando. Prometeu que voltaria quando tivesse 35.
E, depois de mostrar aos visitantes o quarto mais importante do templo, uma câmara em madeira com pequenas cabines semelhantes a escaninhos onde, diz-se, guarda-se os espíritos dos ancestrais dos membros, completa:
– Mas considerando o futuro, pressionar uma um jovem a assumir um templo como esse pode ser cruel.
Preferência por funerárias esvazia os templos
Jornal do Brasil, em 20/07/2008.
Há pouco tempo, numa manhã, Mori, o padre budista do templo de 700 anos, começou o dia com a visita de um adepto agricultor de arroz, a visita marcava o 33º aniversário de morte do avô. Fazendo reverências em frente ao altar, Mori orou e cantou sutras. Mais tarde, repetiu o ritual com outro membro, que comemorava o sétimo aniversário de morte do avô.
Mas cada vez mais, muitos japoneses, sobretudo os que vivem em áreas urbanas, evitam essas tradições. Muitos já não pertencem a templos há muito tempo e usam funerárias quando seus parentes morrem. As próprias funerárias levam sacerdotes budistas às cerimônias.
Segundo um relatório de 2007, divulgado pela Associação de Consumidores do Japão, o preço médio dos serviços para sepultamento, sem contar o cemitério, eram de US$ 21.500, destes, US$ 5.100 para os serviços do sacerdote budista.
Em meados de 1980, quase todos os japoneses faziam velórios em casa ou em templos com o sacerdote budista tendo papel predominante. Mas a mudança para as funerárias acelerou-se na década passada. Em 1999, 62% dos japoneses ainda faziam funerais em templos ou em casa, enquanto 30% escolhiam funerárias, segundo a associação. Mas em 2007, as preferências se reverteram, com 28% dos serviços de sepultamento prestados em casas e templos e 61% optando por casas especializadas em serviços funerais.
Mais: há um número crescente de cremações sem qualquer funeral, diz Noriyuki Ueda, antropólogo do Instituto de Tecnologia de Tóquio e especialista em budismo.
– Por isso, os sacerdotes e templos budistas não se envolvem mais nestes serviços – explica Ueda.
Grande parte do lado espiritual do budismo foi minado por suas ligações com militares na Segunda Guerra Mundial. Depois que os sacerdotes passaram a glorificar soldados caídos na guerra e dar-lhes nomes póstumo budistas especiais, falar sobre pacifismo soava superficial.
O sacerdote Mori diz que a guerra fez aumentar o desejo por funerais excessivos com nomes budistas de prestígio. Esses nomes – cujas maiores posições tradicionalmente eram dadas àqueles que tinha levado vidas honoráveis – são hoje rotineiramente comprados, independentemente de como a pessoa conduziu sua vida.
– Soldados que deram suas vidas pelo país ganharam nomes póstumo budistas especiais. Depois disso, todo mundo queria um e os preços aumentaram dramaticamente – explica Mori. – Todo mundo estava ficando rico, então todos queriam. Isso nos deixou com uma imagem ruim.
Empresa oferece sacerdotes freelancer por preços baixos
Jornal do Brasil, em 20/07/2008.
De fato, a imagem de troca de nomes especiais budistas por dinheiro foi reforçada pelo modo como os serviços funerais e memoriais eram conduzidos. Não se divulgava preços, que eram deixados à discrição da família, mas os parentes sentiam uma pressão tácita por serem generosos. Dinheiro era passado por meio de envelopes e não se dava recibos. Templos, dentro de seu status de organizações religiosas, não pagavam impostos.
Site
Foi em parte para afastar essa imagem que Kazuma Hayashi, 41, sacerdote budista mas que não pertence a nenhum templo específico, fundou três anos atrás num subúrbio de Tóquio a empresa Obohsan.com (obohsan significa sacerdote). A firma envia padres budistas freelance para funerais e outros serviços, sem passar por funerárias e outros intermediários.
Os preços, que são pelo menos um terço da média, estão claramente listados no website da empresa. Para membros cadastrados, há um desconto de 10%.
– Nós damos até recibo – diz Hayashi, que argumenta que em vez de apartar o budismo japonês de suas raízes espirituais, seu negócio atrai mais pessoas pelos preços baixos.
Os nomes póstumos de maior hierarquia saem por US$ 1.500.
– Sei que, originalmente, não é disso que se trata o budismo – Hayashi comenta sobre o nome de preço mais alto. – Mas é uma marca que nossos clientes escolhem. Alguns realmente o querem, o que significa que há um forte desejo quanto a isso, e temos de corresponder.
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