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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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sábado, 14 de junho de 2008

Diplomata da Santa Sé defende diálogo da igreja com o islã

Cardeal Renato Martino diz que atuação conjunta das duas fés é necessária para impor valores como o combate ao aborto

Ex-representante na ONU lamenta guerra no Iraque, mas vê sucesso em evitar que ela fosse vista como conflito cristão-muçulmano

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
FSP, Mundo, em 14/06/2008.

Um dos homens de confiança do papa Bento 16, o cardeal italiano Renato Martino, 76, chefia o Conselho Justiça e Paz do Vaticano, que cuida de direitos humanos e doutrina social.

Mas é na frente diplomática que ele passou a maior parte de seus 50 anos dedicados à Igreja Católica, numa carreira que culminou com o cargo de representante do papa João Paulo 2º na ONU (1986 a 2002).

Em visita a São Paulo, onde ministrou palestras sobre as relações internacionais da igreja, o cardeal concedeu entrevista à Folha, na última quarta-feira.

Na conversa, afirmou que os imigrantes muçulmanos devem respeitar os valores culturais e religiosos do Ocidente, mas defendeu uma aliança com os países islâmicos em nome de causas conservadoras, como a luta contra o aborto.

FOLHA - Como o sr. reagiu ao fato de a menção às "raízes cristãs" ter sido retirada do Tratado de Lisboa?
RENATO MARTINO -
A Europa cresceu e se desenvolveu sobre bases cristãs. Todo mundo admite a influência do iluminismo e da filosofia grega. Por que não mencionar então o verdadeiro fundamento da Europa? Era uma referência histórica necessária. Ficou um vazio.

FOLHA - A presença de imigrantes muçulmanos ameaça a Europa?
MARTINO -
A Europa não produz filhos suficientes nem para manter o crescimento populacional no zero. Para evitar um regresso demográfico, cada casal do continente teria que ter 2,2 filhos. Nações como Itália e Espanha têm em média apenas 1,2 filho por casal. Se continuar assim, a população italiana baixará de 57 milhões para 50 milhões em 20 anos. Com filhos em número insuficiente, os europeus precisam da mão-de-obra estrangeira para manterem seu estado de riqueza, progresso e desenvolvimento.

FOLHA - O sr. acredita que haveria menos problemas se esses imigrantes não fossem muçulmanos?
MARTINO -
Sim. Os EUA recebem principalmente mão-de-obra cristã, vinda da América Latina. Na Europa é diferente.
O que temos disponível é a mão-de-obra muçulmana. A única opção para os europeus é respeitar essas pessoas, que vêm com uma cultura, uma religião, uma família. Naturalmente, há de se exigir a recíproca. Os imigrantes devem respeitar cultura, religião e hábitos dos países onde se instalam.

FOLHA - Como o sr. rebate as acusações de que o pontificado de Bento 16 está piorando a relação da Igreja Católica com o islã?
MARTINO -
Isso não é verdade.
O embaixador do Irã é um grande amigo meu e eu fui recentemente convidado a ir a Teerã.
Precisamos do diálogo com os muçulmanos. Em 1994, eu chefiei a comitiva da Santa Sé na Conferência da ONU sobre população e desenvolvimento, no Cairo. Se naquela ocasião nós conseguimos incluir na declaração final uma cláusula dizendo que nenhum caso de aborto pode ser justificado como método de planificação familiar, foi em grande parte graças ao apoio dos delegados islâmicos. Muitos países estavam a favor do aborto e queriam generalizar sua legalização. É para esse tipo de caso que precisamos continuar o diálogo com o islã.

FOLHA - Qual é a maior frustração da diplomacia do Vaticano nos últimos anos?
MARTINO -
João Paulo 2º foi muito claro ao condenar as guerras ao Iraque, a começar pela primeira, em 1991. À época, eu era embaixador na ONU, e ele me incumbiu da missão de evitar essa guerra. Todos os dias eu ia ao escritório do então secretário-geral [Javier] Pérez de Cuellar para tratar do assunto. Um dia, ele me chamou e disse: "Monsenhor, nossos esforços foram inúteis, a guerra começa amanhã".
Em 2003, o mundo acompanhou os esforços de João Paulo 2º para evitar a guerra. Ele enviou a Washington o núncio apostólico e mandou meu antecessor no Conselho de Justiça e Paz, o cardeal Etchegaray, conversar com Saddam Hussein.
A diplomacia da Santa Sé sabia que Saddam estava disposto a aceitar as condições da ONU.
Mas um certo país não quis esperar, e a guerra aconteceu. Se tivéssemos dado ouvidos a João Paulo 2º, não estaríamos chorando por tantas vítimas.
Mesmo sem evitar a guerra, conseguimos fazer com que o mundo muçulmano não interpretasse essa guerra como um conflito entre cristãos e islâmicos. Muitas delegações de países muçulmanos foram a Roma para agradecer a João Paulo 2º.

FOLHA - Como é definida a agenda externa da Santa Sé?
MARTINO -
O Vaticano pratica uma diplomacia pura, que não está ligada a interesses materiais. Somos norteados pela promoção da paz, do diálogo e da colaboração internacional.
O Vaticano não tem que vender sapatos ou geladeiras, mas deve ajudar os países a viver em paz.

FOLHA - Atualmente, qual a prioridade da diplomacia do Vaticano?
MARTINO -
Paulo 6º já dizia que o novo nome da paz é desenvolvimento. A Santa Sé busca alavancar a ajuda dos países ricos aos pobres. João 23 e João Paulo 2º sempre cobraram que fosse cumprida a promessa, feita há 34 anos, de que os países ricos doariam o equivalente a 0,7% do seu PIB. Só cinco cumpriram o acordo - Holanda, Luxemburgo, Dinamarca, Suécia e Noruega. Se as promessas fossem respeitadas, haveria menos conflitos.

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