O Globo, Ciência, página 32, em 14/05/2008.
LONDRES
Uma carta escrita por Albert Einstein em 1954 e só agora divulgada ao público parece pôr fim ao intenso debate sobre o papel da religião na vida de um dos maiores cientistas da Humanidade.
No texto manuscrito em alemão, que será leiloado amanhã em Londres, Einstein diz que “a crença em Deus é um produto das fraquezas humanas”, uma superstição, e “que a Bíblia não passa de uma coleção de lendas primitivas e infantis, ainda que bem intencionadas”.
Ao longo de sua vida, o cientista fez algumas referências a Deus, interpretadas por religiosos como um sinal claro de sua crença num ser superior. Ateus, em contrapartida, argumentavam que essa interpretação seria leviana e que o “Deus” citado por Einstein seria uma referência às leis que regem o Universo.
A carta escrita por Einstein um ano antes de sua morte era endereçada ao filósofo alemão Eric Gutkind.
Passou os últimos 50 anos em mãos de um colecionador particular e, por isso, não era conhecida. O leilão do texto será na Bloomsbury Auctions e as expectativas é de que seja vendido por algo entre US$ 12 mil e US$ 16 mil.
A carta não deixa muito espaço para dúvidas sobre a posição de Einstein.
Nela, o criador da Teoria da Relatividade escreve: “A palavra Deus, para mim, nada mais é do que expressão e produto das fraquezas humanas; a Bíblia é uma coleção de lendas bem intencionadas, mas, ainda assim primitivas e bastante infantis. Nenhuma interpretação, não importa quão sutil, muda isso (para mim).” Einstein, que era judeu e declinou a oferta de ser o segundo presidente do Estado de Israel, também rejeita na carta a idéia de que os judeus seriam o povo escolhido por Deus.
“Para mim, a religião judaica, como todas as outras, é uma encarnação das mais infantis superstições.
E o povo judeu, ao qual eu pertenço com orgulho e com cuja mentalidade eu tenho profundas afinidades, não apresenta nenhuma qualidade diferente, para mim, em relação a todos os outros povos. Até onde vai a minha experiência, eles não são melhores do que outros grupos humanos, embora sejam poupados dos piores tipos de câncer pela falta de poder. Fora isso, não consigo ver nada de ‘escolhido’ sobre eles.” A carta não é listada como fonte da principal obra acadêmica sobre o tema, o livro “Einstein e a religião”, de Max Jammer. Um dos maiores especialistas em Einstein do Reino Unido, John Brooke, da Universidade de Oxford, diz que jamais ouviu falar no texto. O porta-voz da Bloomsbury, Richard Caton, disse que a casa está “100% segura da autenticidade da carta”.
As reflexões do autor da Teoria da Relatividade sobre religião deram origem a muitas conjecturas.
Os pais de Einstein não eram religiosos, mas ele estudou numa escola católica ao mesmo tempo em que tinha aulas particulares sobre o judaísmo.
Mas o idílio religioso durou pouco. Por volta dos 12 anos, ele já questionava a verdade de muitas histórias bíblicas.
Ao longo de sua vida, ele fez referência a “um sentimento religioso cósmico” que permearia e sustentaria seu trabalho científico. Em 1954, ele falou no desejo de “vivenciar o Universo como um único todo cósmico”.
Ele também costumava fazer referências religiosas, como em 1926, ao declarar que “Deus não joga dados”.
— Como muitos grandes cientistas do passado, ele era meio esquisito sobre religião e nem sempre coerente de uma época para outra — afirmou Brooke.
Na análise de Brooke, Einstein acreditava que “havia algum tipo de inteligência em ação na natureza. Mas certamente não era a visão tradicional das religiões cristãs e judaicas”.
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