«O dever de defender a liberdade religiosa nunca acaba»
Os americanos apreciaram sempre a possibilidade de dar culto livremente e de acordo com sua consciência. Alexis de Tocqueville, historiador francês e observador das realidades americanas, estava fascinado por este aspecto da Nação. Sublinhou que este é um país em que a religião e a liberdade estão «intimamente vinculadas» na contribuição a uma democracia estável que favoreça as virtudes sociais e a participação na vida comunitária de todos os cidadãos. Nas áreas urbanas, é normal que as pessoas procedentes de substratos culturais e religiosos diversos se impliquem de maneira conjunta cada dia em entidades comerciais, sociais e educativas. Hoje, jovens cristãos, judeus, muçulmanos, hindus, budistas e crianças de todas as religiões sentam-se nas salas de aula de todo o país juntas umas das outras, aprendendo uns dos outros. Esta diversidade dá lugar a novos desafios que suscitam uma reflexão mais profunda sobre os princípios fundamentais de uma sociedade democrática. É de desejar que vossa experiência anime outros, sendo conscientes de que uma sociedade unida pode proceder de uma pluralidade de povos - E pluribus unum, de muitos, um -, com a condição de que todos reconheçam a liberdade religiosa como um direito civil fundamental (cf. Dignitatis humanae, 2).
O dever de defender a liberdade religiosa nunca acaba. Novas situações e novos desafios convidam os cidadãos e os lideres a refletir sobre o modo como suas decisões respeitam este direito humano fundamental. Tutelar a liberdade religiosa dentro da normativa lega não garante que os povos – em particular as minorias – se vejam livres de formas injustas de discriminação e prejuízo. Isto requer um esforço constante por parte de todos os membros da sociedade com o fim de assegurar que seja dada aos cidadãos a oportunidade de celebrar pacificamente o culto e transmitir a seus filhos seu patrimônio religioso.
A transmissão das tradições religiosas às próximas gerações não só ajuda a preservar um patrimônio, mas também sustenta e alimenta no presente a cultura que as circunda. O mesmo vale para o diálogo entre as religiões: tanto os que participam dele como a sociedade saem enriquecidos. Na medida em que cresçamos na mútua compreensão, vemos que compartilhamos uma estima pelos valores éticos, perceptíveis pela razão humana, que são reconhecidos por todas as pessoas de boa vontade. O mundo pede insistentemente um testemunho comum destes valores. Por conseguinte, convido todas as pessoas religiosas a considerarem o diálogo não apenas como um meio para reforçar a compreensão recíproca, mas como um modo de servir à sociedade de maneira mais ampla. Ao dar testemunho das verdades morais que têm em comum homens e mulheres de boa vontade, os grupos religiosos influem sobre a cultura em seu sentido mais amplo e impulsionam os que nos cercam, os colegas de trabalho e os concidadãos a unirem-se no dever de fortalecer os laços de solidariedade. Usando as palavras do presidente Franklin Delano Roosevelt, «nada maior poderia receber nossa terra que um renascimento do espírito de fé».
Um exemplo concreto da contribuição que as comunidades religiosas podem oferecer à sociedade civil são as escolas confessionais. Estas instituições enriquecem as crianças tanto intelectual como espiritualmente. Guiadas por seus mestres na descoberta da dignidade dada por Deus a todo ser humano, os jovens aprendem a respeitar as crenças e práticas religiosas dos outros, enaltecendo a vida civil de uma nação. Que responsabilidade tão grande têm os lideres religiosos! Eles hão de impregnar a sociedade com um profundo temor e respeito pela vida humana e a liberdade; garantir que a dignidade humana se reconheça e aprecie; facilitar a paz e a justiça; ensinar as crianças o que é justo, bom e adequado.
Há outro ponto sobre o qual desejo deter-me. Tenho notado um interesse crescente entre os governos para patrocinar programas destinados a promover o diálogo inter-religioso e intercultural. Trata-se de iniciativas louváveis. Ao mesmo tempo, a liberdade religiosa, o diálogo inter-religioso e a educação baseada na fé tendem a algo mais que alcançar um consenso encaminhado a encontrar caminhos para formular estratégias práticas para o progresso da paz. O objetivo mais amplo do diálogo é descobrir a verdade. Qual é a origem e o destino do gênero humano? Que é o bem e o mal? Que nos espera ao final de nossa existência terrena? Apenas enfrentando estas questões mais profundas poderemos construir uma base sólida para a paz e a segurança da família humana: «onde e quando o homem se deixa iluminar pelo esplendor da verdade, empreende de modo quase natural o caminho da paz» (Mensagem para o Dia mundial da Paz, 2006, 3). «Por que te deprimes, ó minha alma, e te inquietas dentro de mim?» (Sal 42,6). A respostas é sempre de fé: «Espera em Deus, porque ainda hei de louvá-lo: ele é minha salvação e meu Deus.» (ibid.; cf. Sal 42,6). Os lideres espirituais têm um dever particular, e poderíamos dizer uma competência especial, de pôr em um primeiro plano as perguntas mais profundas da consciência humana, de despertar a humanidade para o mistério da existência humana, de proporcionar um espaço para a reflexão e a pregação em um mundo frenético.
Perante estes questionamentos mais profundos sobre a origem e o destino do gênero humano, os cristãos propõem Jesus de Nazaré. Ele é, assim acreditamos, o Logos eterno, que se fez carne para reconciliar o homem com Deus e revelar a razão que está no fundo de todas as coisas. É Ele quem levamos ao debate do diálogo inter-religioso. O desejo ardente de seguir seus passos impulsiona os cristãos a abrirem suas mentes e seus corações para o diálogo (cf. Lc 10,25-37; Jn 4,7-26).
Queridos amigos, em nosso intento de descobrir os pontos de comunhão, temos evitado talvez a responsabilidade de discutir nossas diferenças com calma e clareza. Enquanto unimos sempre nossos corações e mentes na busca da paz, devemos também escutar com atenção a voz da verdade. Deste modo, nosso diálogo não se deterá apenas em reconhecer um conjunto comum de valores, mas que avançará para indagar seu fundamento último. Não temos nada a temer, porque a verdade nos revela a relação essencial entre o mundo e Deus. Somos capazes de perceber que a paz é um «dom celestial», que nos chama a conformar a historia humana à ordem divina. Aqui está a ‘verdade da paz» (cf. Mensagem para o Dia mundial da Paz, 2006).
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