Dois anos após os comentários de Bento 16 sobre o Islã ter provocado protestos ao redor do mundo, o pontífice está novamente em conflito com os muçulmanos. Desta vez, o atrito entre o Vaticano e os muçulmanos está atrasando a construção daquela que seria a primeira igreja da Arábia Saudita
Alexander Smoltczyk
Em Roma
Um pequeno grupo de proeminentes acadêmicos islâmicos recentemente esteve no aeroporto em Roma, aguardando a pessoa que iria buscá-los. Mas ninguém apareceu. Em vez disso, os acadêmicos tiveram que encontrar seu próprio caminho até o Vaticano, onde foram convidados a participar de um encontro para estabelecimento de um "Fórum Católico-Muçulmano".
Foi provavelmente apenas um deslize por parte do Vaticano. Mas foi outro passo em falso no diálogo entre a Igreja Católica e o mundo islâmico.
Na Páscoa, o papa provocou controvérsia quando batizou pessoalmente o jornalista Magdi Allam, nascido no Cairo. A água batismal, escreveu o jornal pan-árabe "Asharq al-Awsat", foi "como gasolina no fogo" das culturas.
Após a morte em 2006 da jornalista italiana Oriana Fallaci, que era conhecida por suas posições fortemente antiislâmicas, Allam agora é considerado o crítico mais forte do Islã em seu país adotivo, a Itália. "Nós permitimos aos islamitas que assumissem o controle das mesquitas nos países europeus", escreveu Allam. "O Ocidente, com sua postura ingênua, nutriu seu próprio inimigo." Seu próximo livro é intitulado "Vida Longa a Israel".
O batismo foi um deslize ou uma provocação? Dizem que o papa nem mesmo estava ciente de quem estava batizando. Talvez o batismo represente uma tentativa dos monsenhores italianos da cúria de minar o diálogo com o Islã. Esta noção é apoiada pelo fato de Bento estar cada vez mais transferindo sua política externa para seu secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone, um italiano.
Mas dada a proeminência de Magdi Allam, também é concebível que o papa quisesse enviar uma mensagem -sem se importar muito com as conseqüências- contra o que percebe como sendo um pacifismo excessivo no diálogo cultural. O Islã apóia a liberdade religiosa? Ora, mas parte desta liberdade é a liberdade de se converter a outra fé.
Ratzinger provocou um alvoroço global durante um discurso em Regensburg, uma cidade no sul da Alemanha, em 2006, quando citou um imperador bizantino do século 14 que disse: "Mostre-me o que Maomé trouxe de novo, e você encontrará coisas apenas malignas e inumanas, como seu comando para disseminação da fé pela espada".
Enquanto isso, Bento 16 confessou que o discurso em Regensburg não foi por acaso. Em uma carta aos estudantes na universidade papal, ele escreveu que seu propósito foi reagir à crença ingênua de algumas pessoas de que o diálogo com o Islã é fácil. Mas ele também escreveu que ficou chocado e completamente surpreso com as reações no mundo islâmico.
O exemplo da Arábia Saudita revela quão difícil este diálogo pode ser.
Em novembro passado, o rei Abdullah da Arábia Saudita, que é tratado como "o servidor das duas mesquitas sagradas" (em Meca e Medina), fez a primeira visita a um papa.
Os dois homens pareceram dar-se bem espiritualmente. O rei Abdullah compartilhava as preocupações de Bento 16 com o declínio dos valores e da família, e com a ascensão do ateísmo. Bento 16, por sua vez, saudou a proposta do monarca saudita de organizar um encontro com o que o rei Abdullah descreveu como sendo "nossos irmãos" de todas as religiões, incluindo os de Israel.
Então o papa apontou ao rei saudita que na Páscoa o Qatar, o vizinho de seu país, agora contava com uma nova igreja dedicada à "sagrada Virgem Maria", o que tornava a Arábia Saudita o único país na Península Árabe sem uma igreja -apesar dos cerca de 1 milhão de cristãos que vivem no país, a maioria imigrantes filipinos. O último padre foi forçado a deixar a Arábia Saudita em
O rei Abdullah prometeu considerar a permissão da construção de uma igreja no reino. Conversações informais entre o núncio do Vaticano na região, o arcebispo Paul-Mounged El-Hachem, e representantes do governo saudita estavam em andamento desde janeiro.
Mas ao assumir esta posição, Abdullah incorreu na ira dos líderes religiosos de seu próprio país. Um importante imã exigiu recentemente a pena de morte a dois jornalistas que expressaram sentimentos semelhantes aos de seu rei. O grão-mufti do país é absolutamente contrário a convidar rabinos para uma conferência.
"Seria possível lançar negociações oficiais para construção de uma igreja na Arábia Saudita apenas após o papa e todas as igrejas cristãs reconhecerem o Profeta Maomé", disse Anwar Ashiqi, que chefia um instituto de estudos do Oriente Médio na capital saudita, Riad, em uma recente entrevista para rede de televisão por satélite "Al-Arabiya".
Em outras palavras: nós trocaremos com vocês uma igreja pelo reconhecimento do profeta. Isto é que é transcendência.
Os cinco intelectuais esquecidos no aeroporto de Roma fazem parte de um grupo de 138 acadêmicos islâmicos liberais que escreveram uma carta ao papa após seu discurso
Especialmente agora que representa uma minoria: o Vaticano foi recentemente forçado a reconhecer que atualmente há mais muçulmanos no mundo do que católicos.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Der Spiegel, em 17/04/2008.
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