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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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domingo, 30 de março de 2008

Centro expandido

DISPERSÃO PERMITIU À UMBANDA ENXERTAR-SE EM OUTRAS CRENÇAS, MAS A PREJUDICOU NO COMPETITIVO MERCADO RELIGIOSO; SP DESPONTA EM NÍVEL NACIONAL

DA SUCURSAL DO RIO

São 18h de uma quinta-feira e a fila que começa em frente ao sobrado do Belenzinho onde funciona o Colégio de Umbanda Sagrada Pai Benedito de Aruanda, na zona leste de São Paulo, já sumiu de vista. O culto começa às 19h, e nas próximas quatro horas 127 médiuns incorporados com espíritos de caboclos atenderão gratuitamente a mais de 1.200 pessoas que buscam conselhos e curas.

O colégio de umbanda é hoje um dos pólos de expansão da religião em São Paulo e no interior do Estado. Além das giras noturnas, recebe semanalmente cerca de 2.500 alunos nos grupos de estudo e mantém uma escola onde ajuda a desenvolver a mediunidade de 250 futuros pais e mães-de-santo.

À frente do projeto está o médium Rubens Saraceni, 56, criador da Umbanda Sagrada e hoje um dos expoentes da religião em São Paulo, junto com Jamil Rachid, Milton Aguirre e Ronaldo Linares, todos com 75 anos. Saraceni vem tentando construir um arcabouço teológico com livros como "Doutrina e Teologia de Umbanda Sagrada" e "O Código de Umbanda", editados pela Madras.

Ele escreveu 42 livros, uma boa parte psicografados. O romance "O Guardião da Meia-Noite" vendeu mais de 150 mil exemplares.

Há outro indício de vitalidade da umbanda em São Paulo, a Faculdade de Teologia Umbandista. Criada pelo cardiologista Francisco Rivas Neto, 58, em 2003, é reconhecida pelo Ministério da Educação e formou em 2007 os primeiros 35 teólogos. Rivas Neto também é um escritor de sucesso e tem igualmente uma obra doutrinária. Seu principal livro é de 1989, "Umbanda - A Proto-Síntese Cósmica" (editora Pensamento), a base da Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino.

Antes deles, Ronaldo Linares criou, em 1968, um programa de cursos e já formou mais de 2.700 sacerdotes. Sua principal obra é o Santuário Nacional da Umbanda, da Federação Umbandista do Grande ABC, um terreno de 645 mil m2 com áreas da Mata Atlântica preservadas. É lá que os umbandistas paulistas realizam suas oferendas religiosas.

Saraceni, Rivas Neto e Linares são indicadores da vitalidade da umbanda em São Paulo. Todos tentam dotar a religião de uma base doutrinária que lhe dê status e reconhecimento, mas a tarefa é difícil.

Parece ser intrínseco à umbanda a dispersão, a descentralização e a prática sem cânones. As centenas de federações criadas desde a década de 1930 também tentaram unificá-la, organizá-la e normatizá-la, sem êxito. Cada terreiro, tenda ou centro é uma umbanda. É uma religião aberta, definem seus seguidores. Quem manda é o chefe do terreiro.

Essa herança cultural ajudou e atrapalhou a umbanda. Reginaldo Prandi observa que dificultou a sua participação no mercado religioso, extremamente competitivo e dominado por religiões mais organizadas e com sólida base econômica. Mas também é fato que lhe permitiu sobreviver e enxertar-se em outras religiões.

O antropólogo Émerson Giumbelli atribui às fronteiras fluidas entre o espiritismo e a umbanda e entre a umbanda e o candomblé a sua vitalidade. Os caboclos e pretos-velhos "umbandizaram" o candomblé, o Santo Daime e outras práticas de encantados. Até mesmo algumas igrejas evangélicas hostis adotaram o descarrego.

A nova umbanda
A umbanda mudou muito nesses cem anos. Ela manteve a essência criada por Zélio de Moraes -como a crença na mediunidade, na reencarnação e na força dos orixás e de entidades espirituais-, mas os rituais e simbologias já não são os mesmos.

O pioneiro Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade, criado por Zélio de Moraes e hoje dirigido por sua neta, Lygia Marinho da Cunha, 70, em Cachoeiras de Macacu (RJ), é uma exceção.

Embora tenha sofrido mudanças inevitáveis em seu estatuto interno, ele permaneceu imune a práticas que acabaram sendo adotadas pela maioria dos centros.

As mudanças mais visíveis foram o uso dos atabaques no acompanhamento dos cantos religiosos (antes, os pontos eram só cantados ou acompanhados por palmas), a incorporação de novas linhas de entidades "nacionais" (como boiadeiros, baianos e marinheiros) e o culto aberto aos exus (espíritos demonizados pelas igrejas católica e evangélicas).

Os centros foram se conformando de acordo com a ênfase que deram para alguma das matrizes criadoras da religião.

Assim, uns valorizam mais as raízes africanas (umbanda omolokô e a umbanda traçada ou umbandomblé), outros, o kardecismo ou o catolicismo popular (umbanda branca e derivadas), outros ainda, as tradições ocultistas (umbanda esotérica) ou as pajelanças indígenas (umbanda de caboclo).

Mesmo a origem da palavra umbanda gera polêmica. A tese mais aceita é a de que veio de uma das línguas faladas por escravos vindo de regiões como Angola e Congo (bantos) e que significaria a arte de curar ou feiticeiro. Para a umbanda esotérica, no entanto, a palavra é derivada de "Aum-ban-dan", que significaria o conjunto das leis divinas numa "língua dos espíritos".

Novas encruzilhadas
Passados cem anos, os umbandistas que entrevistei para esta reportagem podem ser divididos, em relação ao futuro da umbanda, em duas categorias: a dos otimistas e a dos céticos. Encontrei os mais otimistas em São Paulo, onde a religião tem suas escolas de formação, teólogos, jornais e uma indústria própria de objetos religiosos. Os mais céticos estavam no Rio, onde visitei centros tradicionais empobrecidos.

A médium carioca Adriana Berlinski de Queirós, 27, está de malas prontas para a Bolívia. Uma singularidade já lhe causou problemas nos centros em que atuou: ela diz receber o mesmo Caboclo das Sete Encruzilhadas que em 1908 baixou em Zélio de Moraes para anunciar a umbanda.

Para os mais tradicionalistas, isso equivale a uma heresia. Para Adriana, foi o sinal para uma nova missão: deixar o Rio e levar a umbanda até a China. A Bolívia será apenas a primeira encruzilhada da nova caminhada. (MB)


NA INTERNET
www.folha.com.br/080863
leia entrevista exclusiva e indicações de livros e sites sobre umbanda

Extraído de:
Folha de São Paulo, Caderno +mais!, em 30/03/2008.

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